O "Crente Carnal" à luz do ensino de John Owen sobre a mortificação

Autor: Valdeci dos Santos
INTRODUÇÃO

O atual renascimento do interesse pela espiritualidade parece confirmar a suspeita de Richard Lovellace de que a espiritualidade é uma “indústria promissora.” Apesar dos protestos de alguns estudiosos a respeito da terminologia utilizada e da ausência de clareza teológica a esse respeito, a comunidade protestante continua não só usando o termo, mas também desenvolvendo outras aplicações para o mesmo. No entanto, o aumento do interesse cristão na espiritualidade não parece estar sendo acompanhado pela prática da mesma. Packer afirma que “um líder muito conhecido disse que o cristianismo na América do Norte tem 4.800 quilômetros de extensão e apenas 1,5 centímetros de profundidade; e indícios desta superficialidade têm sido divulgados também em outros lugares.” As razões de tamanha deformidade? Packer sugere que isto se deve, “em última instância, a termos perdido nossa perseverança no evangelho bíblico” e que, “sem notar, durante o século passado permutamos aquele evangelho por um produto substituto, que, mesmo sendo bastante semelhante em certos detalhes, como um todo é completamente diferente.” Na apresentação desse “novo evangelho,” a falácia do crente carnal ocupa um dos papéis principais.

Este estudo procura discernir o ensinamento do evangelho bíblico através de uma comparação entre dois ensinos essencialmente opostos, a saber, a teoria moderna do “crente carnal” e a ênfase de John Owen na mortificação do pecado. A relevância deste estudo consiste não somente em ser um exercício acadêmico, mas também em oferecer um melhor entendimento bíblico de como viver a vida cristã. O presente trabalho consistirá da apresentação dos dois ensinos, com uma conclusão final baseada na exatidão bíblica de cada proposta, seguida de aplicações práticas.

I. APRESENTANDO A TEORIA DO “CRENTE CARNAL”

Uma análise da literatura pertinente não é suficiente para se chegar a um acordo final quanto à origem histórica da teoria do “crente carnal.” Reisinger declara que “há menos de duzentos anos atrás esse assunto era desconhecido nas igrejas da América do Norte.” Wayne Grudem, porém, tentando ser mais preciso, faz uma ligação desta teoria com o antigo moto popular do movimento de Keswick “relaxe e deixe Deus agir.” De acordo com Grudem, esta ênfase na passividade do crente com relação à santificação era apresentada como “um resumo de como viver a vida cristã.”

Packer assume uma posição diferente da de Grudem, e afirma que “o ensino original de Keswick não cometeu este tipo de lapso.” Para Packer, a teoria do “crente carnal” é apenas uma ramificação do ensino de Keswick, devido especialmente à influência wesleyana existente no mesmo. Segundo ele, a ala original do movimento de Keswick ensinava duas salvações distintas e separadas uma da outra, a primeira sendo a salvação da culpa do pecado, e a outra, do poder do pecado. Foi esse ensino que posteriormente deu origem à teoria do “crente carnal,” que acabou tornando-se o padrão de todo pensamento evangélico, salvo nos luteranos e calvinistas confessionais.” Portanto, para Packer, o movimento de Keswick foi apenas a causa virtual da teoria do “crente carnal,” em vez da causa efetiva.

A falta de unanimidade marca a opinião dos estudiosos quanto à origem histórica da teoria do “crente carnal.” Mas o oposto é verdade com relação à essência de seu ensino. Reisinger resume esta teoria explicando que aqueles que se rotularam crentes carnais “acreditam que irão para o céu, mesmo que não de primeira classe, e com poucas recompensas.” Essa crença está baseada na divisão tricotômica do ser humano, que afirma ser o homem composto de três elementos distintos, corpo, alma e espírito. Esse conceito, via de regra rejeitado pelos reformados, foi popularizado nas notas da conhecida Bíblia de Referência de Scofield sobre 1 Coríntios 3.1-4. De acordo com ela, Paulo classifica a humanidade em três categorias: “natural”, isto é, o homem adâmico, não renovado através do novo nascimento; “espiritual”, isto é, o homem renovado, cheio do Espírito e que anda no Espírito em plena comunhão com Deus; “carnal”, isto é, o homem renovado que, vivendo na carne, permanece um bebê em Cristo.

Focalizando a comunidade cristã, McQuilkin afirma que “a Escritura reconhece uma diferença básica entre cristãos. Ela faz distinção entre crentes carnais – ‘da carne’ – que se comportam como pessoas não convertidas, e crentes espirituais, cujas vidas são dirigidas pelo Espírito de Deus.” Esta mesma classificação é encontrada na tradição wesleyana, que declara: “Em [1 Coríntios] 3:1-4 o apóstolo contrasta o homem espiritual com o carnal. Aqui ele abandona o homem natural incrédulo para cuidar do imaturo crente carnal da igreja de Corinto.”

Uma apresentação mais recente dessa teoria do crente carnal tem sido feita de modo especial pela Sociedade Evangélica da Graça, com ênfase no fato de que uma pessoa pode ser genuinamente salva tendo Jesus como “Salvador” mas não como “Senhor.” Um resumo desta teoria pode ser esquematizado através do seguinte diagrama:

É importante notar que três elementos básicos estão envolvidos em qualquer

apresentação da teoria do “crente carnal.” Primeiramente, ela divide a humanidade em três categorias. Em segundo lugar, afirma-se que a categoria “crente carnal” é uma categoria válida na vida cristã. Por fim, geralmente se insiste em 1 Coríntios 3.1-4 como a maior evidência bíblica para seu ensinamento. Um exame dessa interpretação revela um elemento novo na compreensão tradicional do termo “carnal.”

Historicamente, o termo “carnal” tem sido usado para se referir a: 1) falsos cristãos, 2) aqueles que estão sob o domínio da natureza caída, 3) aqueles que têm apenas um interesse meramente externo no evangelho, e 4) cristãos que necessitam maturidade e têm problemas comportamentais. Apesar da variedade de aplicações dessa expressão, existe certa unanimidade na interpretação clássica de que a expressão não foi usada por Paulo em 1 Coríntios 3.1-4 para recomendar ou descrever um novo nível ontológico da existência cristã. Paulo usou esta expressão para repreender o comportamento carnal dos coríntios. Como Gordon D. Fee defende: “Paulo faz um ataque frontal e declara que os coríntios não são nem um pouco espirituais.” Da mesma maneira, Gaffin afirma que “um crente ‘carnal’ ou ‘não espiritual’ é uma contradição de termos.” Com efeito, o único sentido no qual há crentes “não espirituais” é aquele em que “eles mostram um comportamento altamente ‘não espiritual’, que deve ter um fim.”

A interpretação histórica tradicional concorda que Paulo não estava introduzindo uma classe opcional e genuína de cristãos em 1 Coríntios 3.1-3. Portanto, isto “não nos incentiva a pensar que é possível aceitar-se Jesus como Salvador e, desta forma, ser promovido do nível ‘natural’ para o ‘carnal’, como em trânsito para o estágio ‘espiritual’, em cujo ponto se aceita Jesus como Senhor.” A introdução de um novo nível ontológico de cristãos nesta passagem foi uma adição da exegese da teoria do “crente carnal.”

Concluindo, a teoria do “crente carnal” é uma parte essencial do “novo evangelho” que “é tão exclusivamente interessado em ser ‘útil’ ao homem” que contraria qualquer ênfase na necessidade de mortificação do pecado na vida cristã. Como Grudem afirma, esse ensinamento acaba por induzir os cristãos a “se tornarem preguiçosos e negligenciar o papel ativo que a Escritura os ordena cumprir em sua própria santificação.”

II. O ENSINO DE JOHN OWEN SOBRE A MORTIFICAÇÃO

Procuremos agora contrapor a essa linha de interpretação o pensamento do famoso puritano John Owen (1616–1683). Apesar da formulação da teoria do “crente carnal” ser desconhecida no tempo de John Owen, ele trabalhou com uma forma prática dessa argumentação em seu “discurso” sobre a mortificação. Nele, Owen argumenta contra “muitos crentes professos … que, em vez de demonstrarem os maravilhosos e evidentes frutos da mortificação como era de se esperar, deixaram de produzir ainda que folhas da mesma.”

Owen ressaltou que dois erros resultam dessa maneira descuidada de se viver a vida cristã: primeiramente, “há um mal para o próprio crente professo não mortificado.” Desde que “a ramificação de uma maldição não mortificada é a digestão do pecado sem nenhuma resistência pelo coração,” este estilo de vida pode conduzir à apostasia e perdição. Em segundo lugar, há um mal para outros, devido a uma dupla influência: 1) “Isso endurece os seus corações, por gerar neles a certeza de que estão em tão boa condição” quanto os seus irmãos em Cristo, e 2) Isso os engana, porque “os faz acreditar que se eles puderem elevar sua condição espiritual somente um pouco, tudo estará bem com eles.” Conseqüentemente, baseado em Romanos 8:13, Owen defende a tese de que “os mais seletos crentes, que estão seguramente libertos do poder condenador do pecado, devem ainda continuar, todos os seus dias, a mortificar o poder do pecado arraigado.” Tal exortação à morte diária ao pecado carrega uma contra-resposta apropriada aos defensores da teoria do “crente carnal.” Um claro entendimento bíblico a este respeito é crucial para qualquer tentativa de retorno à apresentação bíblica da vida cristã.

Duas proposições são vitais para se captar a ênfase de Owen na mortificação: 1) a mortificação é uma chamada fundamental para a vida cristã, e 2) a mortificação é um dos maiores deleites na vida cristã. No presente artigo, será dada atenção especial a essas duas proposições.

A. A mortificação é uma chamada fundamental para a vida cristã

Para Owen, a mortificação não é o esse, mas o benne esse da vida cristã. Ele desaprovou qualquer sugestão de que alguém possa obter vida ou merecer o favor de Deus pelo processo da mortificação. De acordo com ele, apenas “o vigor, o poder e o conforto de nossa vida espiritual dependem da mortificação das obras da carne.” Desta forma, mortificação não é mutilação própria, mas é “arrancar o princípio de todo o seu vigor, força e poder [do pecado arraigado], de tal maneira que ele não possa agir ou se empenhar, ou realizar qualquer ato próprio.” Mas, para experimentar as delícias da vida cristã, o crente não deve “cessar o seu trabalho um dia sequer; mate o pecado ou ele o matará.” Então, a mortificação é um chamado fundamental na vida cristã.

Para enfatizar a urgência do chamado para a mortificação na vida cristã, Owen usou vários argumentos, entre os quais três parecem ser seus preferidos. Primeiro, a realidade do pecado arraigado. Segundo, a constância da tentação para pecar. E terceiro, a obra do agente eficaz da mortificação.

1. O Pecado Arraigado

Owen enfatizou a verdade de que o domínio do pecado foi completamente destronado na vida do cristão. Ele também reconheceu que o tornar-se um cristão não anula a tendência pecaminosa. Segundo Owen, “há um poder remanescente do pecado arraigado nos crentes, com uma tendência constante ao mal … apesar de seu domínio ter sido quebrado, sua força enfraquecida e debilitada, suas raízes mortificadas, ele ainda é uma lei de grande força e eficácia.” Além disso, Owen enfatizou seis princípios a respeito da contínua realidade do pecado arraigado na vida cristã. Primeiramente, “há um certo grau de pecaminosidade que reside em nós enquanto estamos no mundo.” Em segundo lugar, “o pecado não apenas continua habitando em nós, mas está ativo, atuando continuamente para produzir as obras da carne.” Em terceiro lugar, se nós deixamos o pecado em um canto, sem mortificá-lo prontamente cada dia, “ele produzirá frutos enormes, malditos, escandalosos, destruidores da alma.” Em quarto lugar, uma das principais razões pelas quais o Espírito e uma nova natureza foram dados a nós é para que possamos nos opor ao pecado. Em quinto lugar, a negligência na área da mortificação lança o crente em grande contradição. Finalmente, esse é o dever presente do crente – seguir a santidade. Concluindo, Owen sustenta o princípio de que “o pecado – já completamente vencido na cruz – deve ser tratado implacavelmente e cortado pela raiz, ou ele reviverá e continuará a saquear seu coração [do cristão] e a minar seu vigor espiritual.”

Para realçar a importância da pecaminosidade arraigada, Owen sustenta a idéia de que o seu efeito é inimizade contra Deus; e “inimigos podem ser reconciliados, mas não a inimizade; então, a única maneira de reconciliar inimigos é destruir a inimizade.” Além disso, desde que “a graça transforma a natureza do pecado,” o único tratamento adequado ao pecado na vida cristã é a mortificação. Owen não interpreta mortificação como perfeição, nem como “dissimulação de um pecado.” Ele insistiu também em que mortificação não é o aperfeiçoamento do temperamento das pessoas, nem consiste em distrair o pecado. Pelo contrário, ele argumentou que “aquele que é incumbido de matar um inimigo faz apenas metade de seu trabalho se, após atingi-lo, sai antes que o mesmo morra.” Portanto, o conceito de mortificação para Owen é o enfraquecimento da carne na vida cristã, como um homem pregado na cruz, cuja morte é certa.

2. A Constância da Tentação

Através da sua exposição de Mateus 26:41, fica claro que para Owen “o homem pode estar descontente com o pecado, mas freqüentemente disposto à tentação; sem que ele tema a tentação, nunca terá vitória sobre os seus resultados.” Tentação, segundo ele, “é qualquer coisa, estado, maneira ou condição que, sob qualquer circunstância, tem a força ou eficácia de seduzir, retirar a mente e o coração de um homem da obediência que Deus requer dele diante de qualquer pecado, em qualquer grau.” Conseqüentemente, a tentação tem um duplo propósito: 1) despertar a manifestação do mal existente no coração do ser humano, e 2) desviar o ser humano da comunhão com Deus. Deve-se, contudo, atentar para o fato de que o ser humano só peca quando ele cai em tentação.

A tentação pode ser interna ou externa, mas “todo pecado vem de tentação… O pecado é um fruto que vem apenas daquela raiz.” O mal da tentação é ativo; ela entra e comunga com o coração, debate com a mente e ainda atrai e seduz os sentimentos.” Além disso, quando a tentação vence, afeta o ser humano como um todo.

Para se preservar da tentação, duas coisas devem ser feitas: orar e vigiar. A importância da oração, segundo Owen, está no fato de que “não existe qualquer coisa em nosso próprio poder que nos mantenha e nos preserve de entrar em tentação.” Com respeito a “vigiar,” Owen defendeu que isto significa “estar de guarda, prestar atenção, considerar todas as maneiras e métodos através dos quais um inimigo possa nos abordar.” Ele também ofereceu algumas instruções gerais a serem observadas neste sentido, tais como: 1) Sempre ter em mente “o grande perigo que entrar em tentação significa para qualquer alma,” 2) Observar períodos “nos quais os homens geralmente entram em tentação,” 3) Insistir em conhecer a condição de nosso próprio coração, e 4) Ter alguma provisão “contra a proposta de qualquer tentação.” Estes princípios gerais, de acordo com Owen, são passos essenciais a serem tomados no processo da mortificação.

3. O Agente Eficaz da Mortificação

A urgência do chamado à mortificação, de acordo com Owen, está intimamente ligada ao agente eficaz na realização desse dever, que é o Espírito Santo. Owen enfatizou que “todas as outras maneiras de mortificação são vãs, toda ajuda nos deixa desamparados, esta tarefa deve ser executada pelo Espírito.” Primeiro, porque a base para a mortificação é a obra do Espírito na regeneração. Segundo, a habitação do Espírito no coração do crente tem o propósito de mortificar o pecado. Owen criticou o catolicismo romano por seus “meios e métodos equivocados de mortificação.” Ele enfatizou que o pecado não pode ser mortificado através de rituais, cerimônias ou do monasticismo. Portanto, os recursos humanos nunca terão sucesso final na mortificação de pecados, pois: 1) “Muitos dos métodos que eles usam e nos quais insistem nunca foram indicados por Deus para serem

utilizados com esse propósito,” e 2) Aqueles recursos que foram apontados por Deus, não são usados por eles em seus devidos lugares e ordem.”

Com relação ao processo usado pelo Espírito na mortificação do pecado na vida do pecador, Owen destacou três princípios. Primeiramente, ele atua “fazendo nossos corações abundarem em graça e nos frutos, que são contrários à carne.” Essa renovação do Espírito Santo é, então, um grande método de mortificação. Em segundo lugar, “ao trabalhar na raiz e hábito de pecar, para enfraquecer, destruir e extinguir o pecado.” O Espírito é chamado Espírito de julgamento e fogo através do qual “ele queima até o final a raiz da lascívia.” E em terceiro lugar, o Espírito traz a cruz de Cristo ao coração do pecador pela fé e dá ao mesmo união com Cristo. Vale a pena lembrar que o Espírito “trabalha em nós e conosco, e não contra nós ou sem nós.” Assim, Owen enfatizou dois aspectos essenciais na santificação: 1) Deus dá o que ele mesmo ordena e 2) Deus e o ser humano cooperam na mortificação.

B. A Mortificação é um dos Maiores Deleites da Vida Cristã

A mortificação do pecado não é apenas um chamado à luta, mas também um chamado ao deleite. As delícias da mortificação resultam de sua utilidade na vida cristã. De acordo com Owen, “a vida, o vigor e o conforto de nossa vida espiritual dependem muito de mortificarmos o pecado que está em nós.” Como estes resultados são os mais íntimos desejos do coração do verdadeiro crente, seu cumprimento é motivo de grande deleite.

Mesmo destacando a importância da mortificação como um convite ao deleite espiritual, Owen cuidadosamente afirmou que o primeiro não é a razão final do segundo. A mortificação se relaciona ao deleite espiritual apenas como um meio, não como uma fonte última. Segundo ele, o deleite espiritual está necessariamente ligado à mortificação. Por sua vez, vida, vigor, consolação, etc. são privilégios imediatos de nossa adoção, não da mortificação. Mas na nossa caminhada diária com Deus, a mortificação é conditio sine qua non para nosso vigor e conforto na vida cristã normal. Com a distinção feita acima, Owen negou qualquer possibilidade de uma fórmula mágica para alcançar bênçãos espirituais à parte de uma unidade espiritual com Cristo. Além disso, ele também realçou a contradição prática de estar unido com Cristo e negligenciar mortificação de pecados na vida diária.

A importância da mortificação para se atingir deleite espiritual, segundo Owen, é baseada em três fatores: Primeiro, ela impede que o pecado prive o crente da força espiritual necessária no dia-a-dia. Segundo, ela possibilita ao crente reconhecer “os favores divinos e providencia lugar para os mesmos crescerem em nossos corações.” E terceiro, ela alimenta sinceridade na vida, que é essencial para a paz e força espiritual. Como resultados práticos, “o orgulho é enfraquecido pela implantação e crescimento da humildade, a ira pela paciência, a impureza pela castidade de mente e consciência.”

CONCLUSÃO

Diferentes contextos culturais podem produzir expressões teológicas que, apesar da distância histórica e cultural, estão relacionadas entre si por alguns elementos comuns. Com esta pressuposição em mente, tentei avaliar o ensino acerca do “crente carnal.” Entendo que essa idéia é uma falácia, uma contradição do ensino bíblico quanto à mortificação do pecado. Como exposto anteriormente, estes dois ensinos são mutuamente exclusivos. Enquanto a doutrina do crente carnal defende uma atitude de descanso [uma poltrona], o segundo defende um instrumento de guerra e luta [uma espada] como uma descrição verdadeira do empenho cristão em direção à santidade. Enquanto o primeiro defende passividade e quietude em relação à santidade, a doutrina da mortificação insiste que a vida cristã é uma luta contínua contra a carne. A validade dos mesmos, no entanto, deve ser julgada pela exatidão da interpretação das passagens bíblicas que se utilizam, bem como de seus resultados práticos.

Com relação ao suporte bíblico, está claro que a exegese sugerida pela teoria do crente carnal é superficial, sem evidências claras e equivocada. Além disso, como Reisinger declara, “interpretar I Coríntios 3:1-4 de modo a classificar os homens em três categorias é violar uma regra básica para a interpretação da Escritura, a saber, que cada passagem em particular deve ser interpretada à luz do todo.” A ênfase de Owen na mortificação, por outro lado, surge de uma salutar interpretação bíblica. O valor dos conceitos pastorais de Owen baseia-se na exatidão do suporte bíblico dos mesmos. Por isto, a razão teológica de Owen é realista, ao passo que a teologia por detrás da teoria do crente carnal é enganadora.

No campo prático, mesmo que as evidências mostrem que a teoria do crente carnal tem influenciado uma grande parte da comunidade evangélica, esta influência resulta em grande perigo para o cristianismo como um todo e para o cristão como indivíduo. O perigo para o cristianismo encontra-se na elaboração de um evangelho diluído, no qual fé salvadora e fé enganadora – não genuína – não são diferenciadas, uma falsa garantia é ensinada, o antinomianismo é propagado, uma dicotomia cristológica com implicações soteriológicas é defendida e um segundo trabalho da graça é tornado necessário. A ênfase de Owen na mortificação, por outro lado, encoraja humildade, atividade e crescimento espiritual. Conseqüentemente, ela promove um viver saudável e isso precisa ser urgentemente reconquistado pela comunidade cristã atual.

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