Autor: Rev. Pe. Werenfried van Straaten
“Um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse: ‘levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito; fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para o matar’. José levantou-se durante a noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito… Herodes que tinha sido enganado pelos magos, ficou muito irado e mandou massacrar em Belém e nos seus arredores todos os meninos de dois anos para baixo, conforme o tempo exato que havia indagado dos magos. Cumpriu-se, então, o que foi dito pelo profeta Jeremias: Em Ramá se ouviu uma voz, choro e grandes lamentos: é Raquel a chorar seus filhos; não quer consolação, porque já não existem.” (Mt 2,13-18)
Quantos homens e mulheres são obrigados a curvar a cabeça quando ouvem a velha história dos Santos Inocentes? Às mães de Belém, os meninos foram-lhes arrancados dos braços. Algumas morreram porque a espada as atingiu primeiro. Outras morreram porque uma mãe tem facilmente o coração partido quando vê morrer o seu filho. Mas que fazem inúmeros casais de hoje? Eles seguem o caminho do aborto e matam o que já começou a viver no seio materno.
Fazem-no para manter a figura? Será porque não querem, como um navio altaneiro com sua carga preciosa, aparecer entre os homens em estado interessante? Fazem-no porque querem permanecer “senhoras do seu próprio ventre” e por isto matam a criança indefesa que Deus lhes confiara? Fazem-no porque o marido, não consciente da sua responsabilidade, deseja-a como amante mas nada lhe importa a maternidade dela? Fazem-no porque se não querem privar do luxo da classe privilegiada, embora 90% da humanidade seja desprovida de muito mais que esse luxo? Fazem-no por medo das dores, da preocupação, da responsabilidade? Ou fazem-no por já não acreditarem na Providência divina?
Ei-las, pois: árvores estéreis, que devem ser cortadas (Mt 7,19). Flores sem semente, seres humanos sem objetivo, almas cheias de vergonha. E quando vierem os dias em que a mãozinha de uma criança as poderia ainda consolar, quando o olhar de uma criança poderia fazer com que tudo tivesse valido a pena, então só poderão chorar por causa dos pequeninos a que recusaram ou tiraram a vida…
O nome de Herodes é maldito até hoje. Mas em nossa época não há necessidade de um Herodes para ser assassino de inocentes. Hoje, pode-se encontrar médicos que fazem esses massacres por um punhado de moedas. Muitas cidades têm clínicas de assassinato, marcadas pelo sangue inocente destes bebês, cujas vidas lhes foram negadas porque seus pais se sentiram ameaçados em seus solitários tronos de egoísmo, tal como Herodes também se sentiu ameaçado em seu trono de Tetrarca da Galiléia. Herodes vive ainda nos milhares de infanticidas, cujos nomes, como o dele, serão malditos por toda a eternidade.
Mas não se ouve nenhuma voz em Ramá, não há choro nem lamentações, e Raquel não chora mais por seus filhos: os corpos desmembrados dos abortados são rapidamente queimados porque há mais prazeres a serem gozados amanhã. Mas o sangue destes pequeninos clama aos céus e seus lamentos são ouvidos diante do Deus da Justiça.
Deus é amigo destes pequeninos. A emoção que sentimos ao ver nos olhos deles um reflexo fugidio do paraíso perdido pelo homem, não é senão um pálido eco do que Deus sente ao ver a pureza do seu próprio ser refletida nestas almas inocentes. Elas são frescas como a primavera em flor e puras como o orvalho da manhã. Ele se deleita nelas.
Eis porque Ele não quer que se impeça que venham a ele os pequenos a quem pertence o Reino dos Céus. E a maior expressão de ternura que se viu em Nosso Senhor foi no episódio daquela criança desconhecida que Ele “tomou em seus braços” (Mc 9,36). Ele a amou tão imensamente que até chegou a se identificar com ela na surpreendente assertiva: “quem quer que receba uma criança como esta em meu nome, recebe a mim”.
Assim, Ele nos pede para termos com as crianças o mesmo respeito, cuidado e amor que temos para com Ele próprio. Ele deseja protegê-las de todo mal como seu tesouro inalienável e ser a garantia pessoal delas de que nenhum mal lhes irá suceder. Prevendo o que pervertidos e assassinos sem escrúpulos iriam fazer contra seus protegidos, ele lançou ao mundo estas palavras terríveis: “Se alguém escandalizar a um destes pequeninos, seria preferível para ele de ter uma pedra de moinho presa ao pescoço e ser deglutido pelas profundezas do oceano”.
A Igreja pode renunciar aos seus bens temporais. Ela pode sofrer em silêncio o roubo de seus direitos no mundo. Ciente da culpa e dos pecados de seus filhos, ela pode se humilhar face a déspotas cujas mãos estejam sujas com o sangue de milhões de pessoas. Ela vê neles o flagelo da ira de Deus e se curva chorando sob sua mão que castiga. Porém, nunca poderá a Igreja negociar os direitos inalienáveis do Deus eterno por um lucro passageiro. Ela nunca poderá concordar em só ensinar o que lhe for permitido por rebeldes contra Deus. Isto porque a Igreja possui sua própria força motriz divina, que o Senhor ditou ele mesmo em sua exigência inevitável de que o homem O sirva com todo seu coração, com toda sua alma e com toda sua força. A Igreja tem de apresentar esta exigência a todo homem que nasce e ajudar a cada geração a cumpri-la. E esta geração também. Os governantes e ministros, professores e sacerdotes que não estejam mais trilhando os caminhos de Deus, também. Ela não pode renunciar a este dever só para obter uma falsa paz, por causa de uma moda passageira, ou por oportunismo político. Ela permanece a mãe e a mestra dos próprios filhos de Deus, os quais ela não gerou para este mundo passageiro, mas para a eternidade, na qual o próprio Deus irá enxugar todas as lágrimas e vingará todos os males.
O infanticídio praticado hoje deve certamente ser chamado de um escândalo. Bebês não são como dentes ruins que se arrancam porque causam dor. Uma criança por nascer é mesmo uma criança, quer seus pequenos dedos tenham dois ou três milímetros de comprimento. O tamanho de uma criança não tem nada a ver com o seu direito à proteção, a não ser que este direito deve ser tanto melhor assegurado quanto menor, mais fraco e mais indefeso for o bebê. Mas ao invés de proteger tais crianças, um país após o outro legaliza o assassinato de milhões destes inocentes.
Se um bebê por nascer não pode ser visto e é anônimo, se ele não pode gritar e se defender, se ele não pode chamar a polícia, se ele não pode protestar junto a deputados ou ministros, nada disto são razões para o assassinar, mas são todas elas razões para que seu direito à vida seja defendido ainda com mais ardor. O direito à vida de todo ser humano, jovem ou idoso, saudável ou doente, é inalienável. Nem mesmo no interesse de uma outra vida este direito pode ser atacado diretamente.
O dever de se respeitar e proteger o direito à vida de cada indivíduo é parte de nossa herança cultural de 2.000 anos. O direito à vida é absoluto. Com a liberalização da legislação sobre o aborto, ele se torna relativo. O direito à vida de um indivíduo passa a não se derivar mais do fato de sua existência, mas é somente reconhecido se preencher certas normas de independência, perfeição física, ou utilidade econômica. Nisto, a própria raiz da civilização cristã está sendo erodida.
Freqüentemente se tem dito que a mulher tem o direito de decidir o que vai acontecer com o seu próprio corpo. Mas a criança em seu ventre não faz parte de seu corpo, não é algo como uma vesícula biliar ou um apêndice. Trata-se de um ser humano autônomo que encontra refúgio no ventre materno até ter idade e maturidade suficientes para viver fora dele. Desde o primeiro dia de sua existência, desde sua concepção, cada parte de sua individualidade, a cor de seu cabelo e de seus olhos, a forma de suas mãos, sua impressão digital, seu sexo, seu grupo sangüíneo, tudo já está determinado com precisão. Este ser humano soberano e irrepetível começou sua jornada pela vida. Ninguém tem o direito de o destruir. Um bebê ainda não nascido é um ser humano. A mulher não pergunta: “Doutor, como vai o meu embrião?” Ela diz: “meu filho”. Quando as mães matam seus filhos, o mundo está maduro para uma maldição de Deus.
Diz-se que esses assassinatos vão acontecer de qualquer modo e que por isto é melhor tê-los sob controle. Quão confusas deve estar as pessoas que aceitam seriamente este argumento. Alguém sugerirá que se legalize o furto, o roubo a mão armada, ou o seqüestro de aviões seguindo o princípio de que “isto vai acontecer de qualquer modo, assim, façamo-lo acontecer de modo ordenado”…
Algumas vezes a Igreja é atacada por tomar uma atitude muito dura com relação ao aborto: pessoas são sacrificadas devido a uma lei abstrata, a um princípio (o respeito pela vida) e não se cuida dos problemas e das misérias das mulheres grávidas.
Porém, o que está em jogo não é uma lei abstrata, mas a existência concreta e a sobrevivência de milhões de crianças que ainda não viram a luz do dia. Além do mais, esta acusação se baseia no pressuposto de que a vida deve somente nos trazer bem estar e que todos os inconvenientes devem ser afastados. Esta idéia é falsa. É claro que tanto quanto possível, devemos ajudar a afastar da vida de nosso próximo o sofrimento, mas uma vida sem dor e sem dificuldades não existe na realidade. Seria uma vida sem responsabilidade ou engajamento e mesmo sem amor, pois ele sempre exige auto-sacrifício. Uma vida cristã sem sacrifício é portanto impensável.
O cristão precisa estar preparado para aceitar as responsabilidades, os encargos e os sofrimentos que fazem parte da vida de casado. Pois ele crê que eles o tornam um discípulo do Senhor. Ele até sabe que há sofrimentos que de um ponto de vista humano são insuportáveis. Somente do ponto de vista da fé cristã com a ajuda da graça de Deus eles fazem sentido e se tornam suportáveis. Nisso Cristo nos precedeu. Ele tomou sobre si a Cruz que era humanamente insuportável. Seus discípulos que de certo modo compartilham de Sua Cruz, também recebem Sua força para agüentá-la.
Não se pense que sou insensível a situações inumanamente difíceis que fazem desesperar certas mulheres e moças, que lhes fazem perder a cabeça a tal ponto que acham que não poderão levar esta cruz e em conseqüência fazem matar o fruto de seu ventre. Não estou a passar julgamento sobre sua culpa subjetiva. Creio que a culpa de pais orgulhosos que expulsam sua filha de casa devido à sua fraqueza é bem maior que a da jovem cujo desespero a arrasou. Creio também que a falta de misericórdia dos que estão sempre prontos a apedrejar o pecador é pior aos olhos de Deus que um aborto cometido em meio ao pânico.
Mas não quero silenciar sobre o mandamento de Deus – “Não matarás” – só porque às vezes é difícil cumpri-lo. A despeito de minhas próprias fraquezas tenho de seguir o exemplo de Cristo, o qual mantém inexoravelmente as exigências de Deus Todo Poderoso em sua totalidade. Ele, que não tolera que se altere um só jota da lei divina. Mas ele não força ninguém. Que não impede o moço rico de deixá-lo. Que deixou os fariseus levarem adiante seus desígnios assassinos. Mas que perdoa o pecador arrependido setenta vezes sete. Que incessantemente repete: “vá e não peque mais”. E que deseja que nós sacerdotes façamos o sinal do perdão sobre cada cabeça inclinada até que nossas mãos estejam cansadas de tanto abençoar. Pois essa bênção do perdão de Deus é uma ajuda indispensável para si, para mim e para todos os pecadores a fim de que possamos carregar a cruz que é a nossa salvação.
Uma das cruzes mais pesadas que pode ser colocada nos ombros dos pais é uma criança anormal. Antes de mais nada deve-se constatar que quase nunca se pode dizer com certeza que uma criança a nascer será anormal. Não é terrível, então, se assassinar dezenas de crianças sadias para se ter certeza de que não haverão crianças anormais como um peso para a sociedade? Além disso, uma criança aleijada, cega, ou surda e muda não aparece em nossas vidas sem razão. Num estado civilizado não se mata os mais fracos, mas se os protege. Freqüentemente ocorre que uma criança anormal torna-se o centro da vida da família e desperta nela bondade e amor desinteressado. Quem ousaria dizer que tal criança não poderia contribuir muito para a vida e experimentar muito de positivo em sua própria vida? Que terrível civilização é esta, que com toda sua riqueza se recusa a gastar tempo, esforço ou recursos nos anormais, preferindo se refugiar numa eugenia brutal ou em métodos de tribos primitivas.
Alguns dizem que seria preferível abortar uma criança que não seja capaz de levar uma vida “plena”. Mas quem de nós pode dizer que leva uma vida “plena”? Todos nós, inclusive as crianças anormais, só viveremos uma vida “plena” na eternidade. E quando Deus dá a vida a alguém, não temos o direito de tirar desta pessoa a chance de se preparar para a plenitude da vida que nos está reservada, não para esta terra, mas para o céu. Nesses tempos de barbárie, em que os homens fazem o que querem com a vida humana indefesa, precisamos iluminar o mundo com atos de amor. Precisamos ajudar as mães solteiras. Precisamos ajudar as crianças – não só as sadias, mas sobretudo as anormais – a ter uma vida alegre e digna de seres humanos. Que este massacre dos inocentes seja um desafio para que a Igreja se torne uma comunidade de amor prático. Um desafio para cada cristão ser um samaritano para com as criaturas mais indefesas que estão sob a ameaça dos assassinos entre nós. Mas que este massacre seja igualmente uma advertência e um sinal de alarme aos que têm responsabilidade nela. Pois o auge da confusão foi atingido e em vários países, a heresia é pregada impunemente.
Quando Jesus foi morto, escureceu, a terra tremeu e o véu do templo se partiu em dois. Desde então, muita gente tem sido assassinada. Incontáveis vezes os príncipes deste mundo têm conspirado contra Deus e seu Cristo. Herodes, Beria, Caifás, Hitler, Pilatos, Stalin… eles foram varridos tal como um grão de poeira ao vento quando a sua medida de maldade ficou cheia. Mas depois de Herodes veio Nero e depois de Hitler vieram os aborcionistas. Assim, a Sexta-Feira Santa é repetida e cruzes se levantam aos milhares sobre os cadafalsos e câmaras de gás, sobre as valas comuns dos que morreram com uma bala na cabeça e sobre os depósitos de lixo que servem de túmulos para os bebês assassinados.
A Sexta-Feira Santa com a cruz de Cristo que foi assassinado inocentemente ainda está no meio de nós. Mas o véu também está conosco. Não se trata do véu do templo, mas do véu da mentira e do extravio que a imprensa escrita, o rádio e a televisão espalharam por todo o mundo. É o véu que esconde a sede de sangue dos assassinos. Não chamemo-los de médicos, quando eles lhes visitam com um sorriso nos lábios e luvas em suas mãos. Porque em suas luvas estão as garras do estrangulador e por trás dos seus sorrisos eles estão planejando um novo massacre dos inocentes como o de Belém. Suas mãos estão sujas com o sangue dos inocentes. Chame-os de assassinos. Tragam suas crianças para dentro de casa e fechem as portas quando eles passarem por perto. Chame-os de “assassinos” e não se deixem iludir pelo véu de sua propaganda mentirosa. Eles estão a serviço do demônio!
A demolição da moralidade, a destruição do senso da vergonha, a desinibição total, a sexualização das vidas privada e pública, o embotamento das consciências, levaram à desintegração da vida cultural, religiosa, política e até mesmo econômica das nações. O último baluarte contra isto é a Igreja. É um êxito terrível para o demônio que haja na Igreja hoje professores, educadores, conselheiros matrimoniais e sacerdotes que, a despeito das instruções papais, promovem a anarquia sexual.
Que conforto posso lhes oferecer? O conforto da fé, de que as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja de Deus. E o conforto na palavra de Nosso Senhor: “Procurai primeiro o Reino de Deus e tudo o mais vos será dado por acréscimo”. Tudo o mais, inclusive a força para viver uma vida pura. Inclusive um planejamento familiar de acordo com a vontade de Deus. Inclusive uma resposta para a explosão populacional nos países onde ela realmente existe. Inclusive a solução para os problemas sociais.
Decorre disto que a mensagem de Cristo sobre o Reino de Deus é falsamente interpretada pelos que não mais esperam que a Igreja lhes dê força para subjugar seus impulsos, mas sim que ela lhes dê licença para satisfazer todos seus desejos com uma consciência tranqüila. A lei básica do Reino de Deus não pode ser modificada por resoluções de uma maioria democrática tomadas por uma sociedades “pluralística”. Assim sendo, continua a ser verdade que nós não devemos viver para nós mesmos, mas temos de nos dar a Deus com todo nosso coração, com toda nossa alma, e com toda nossa força. Mas isto está ficando quase impossível no atoleiro de impureza em que o mundo se converteu.
Estamos dançando em torno de um barril de pólvora sem o saber. Os dias de Noé parecem haver retornado. A prostituta de Babilônia entrou dentro da Igreja. Agora que as autoridades civis e tantos sacerdotes falharam, o povo de Deus precisa guarnecer as barricadas da oração.
Lembremo-nos do passado. As muralhas de Jericó foram derrubadas pelo poder da oração. Assim, rezem o rosário todos os dias. Rezem pela conversão do Ocidente e da Rússia. Rezem pelos seus bispos, pelos seus ministros, deputados, médicos e sacerdotes. Rezem pelos pecadores, pelos fracos, pelos infiéis, pelos falsos profetas, pelos assassinos. Escolham um. Façam pontaria sobre um deles. Bombardeiem-no com oração e amor. Supliquem a Deus dia e noite para que, pela intercessão de Maria, seu protegido possa se converter e viver. E rezem de novo aquela antiga oração que costumava subir aos céus após cada santa missa: “S. Miguel Arcanjo, defendei-nos no dia da batalha. Sejais nossa proteção contra as insídias e mentiras do demônio. Que Deus o repreenda, nós humildemente pedimos e que vós, príncipe da milícia celeste, pelo poder de Deus impeli no inferno a Satanás e todos os espíritos malignos que andam pelo mundo para perder as almas! Amém.”
Werenfried van Straaten, o.praem.
Faça um comentário