Autor: Azahara Martín
Cerca de 900 mulheres deixam o País por ano para se prostituir; principal destino é a Espanha O tráfico de mulheres para a prostituição pode se tornar um mercado mais lucrativo do que o de drogas e o de armas em três anos, se as medidas de repressão dos governos não forem reforçadas, conforme o Departamento de Estado americano. No tráfico internacional de prostitutas, a mulher brasileira, uma das mais valorizadas, gera um lucro de US$ 30 mil no período em que atua, aponta um estudo do Escritório das Nações Unidas Contra as Drogas e o Crime (Undoc). O mercado da exploração sexual movimenta US$ 10 bilhões por ano no mundo ante US$ 500 bilhões gerados pelo tráfico de drogas.
São cerca de 900 mulheres que deixam o Brasil anualmente para se prostituir – número que vem registrando crescimento. Na Espanha, o principal destino das prostitutas brasileiras, mulheres dos Estados de Goiás, Ceará, Rio e São Paulo lideram a lista de estrangeiras que entram no país, pela proximidade entre as línguas e o fácil acesso através das fronteiras. Das 100 rotas internacionais detectadas pelas autoridades no Brasil, 32 terminam entre Catalunha, Valência e o País Basco, entre o norte e o litoral leste da Espanha.
Segundo Carlos Hurtado, agente da Guarda Civil Espanhola e um dos responsáveis pela análise dos documentos de quem chega ao país, é difícil saber o número de mulheres que entram por intermédio de aliciadores. “Elas chegam ao aeroporto com os documentos em situação regular e com visto de turista. Não temos como saber o que farão depois”, afirmou. Depois da divulgação de vários casos de exploração sexual na Espanha, os funcionários dos aeroportos aumentaram a vigilância. “Perguntamos com quanto dinheiro viajam, onde vão ficar e abrimos suas malas. Se vemos alguma coisa estranha, levamos as mulheres ao Departamento de Imigração”, disse Hurtado.
REPRESSÃO
Para combater o crime, no ano passado, o governo brasileiro investiu R$ 280 mil em delegacias especializadas em tráfico de mulheres. “A Polícia Federal trabalha de forma conjunta com as autoridades da Espanha, Suíça e Portugal, que são os países que recebem o maior contingente de mulheres traficadas”, afirmou Luciano Ferreira de Dornellas, chefe da Delegacia de Imigração da Polícia Federal de Goiânia (GO).
Algumas brasileiras que deixam o País trabalham por conta própria, mas a maioria é vítima de grandes máfias que se escondem sob a forma de empresas relacionadas com turismo, lazer, agências de modelos, de casamentos ou outros serviços. Conforme a secretária-executiva da ONG Serviço à Mulher Marginalizada, Maria do Socorro da Silva, existem diversas formas de atrair essas mulheres para o tráfico. “Às vezes, é por meio de agências de casamentos. Elas são enviadas ao exterior para se casar. Após três meses da assinatura do contrato, o candidato a marido pode devolvê-la, caso não esteja satisfeito. Outras vezes, elas vão para Espanha acreditando que trabalharão como empregadas ou dançarinas.” Porém, em vez encontrar um emprego ou marido, elas são levadas a clubes e obrigadas a se prostituir sob ameaça até de morte.
É o caso da goiana Simone Borges, que, em 1996, aos 25 anos, aceitou uma proposta de emprego, feita por vizinhas do bairro em que morava. Ela tinha como objetivo trabalhar como garçonete ou babá na Espanha, para juntar dinheiro para seu casamento. Foi obrigada a se prostituir durante três meses num cabaré de Bilbao, no norte da Espanha. Passados os três meses, Simone foi encontrada morta. Sua família ainda procura esclarecer as circunstâncias da morte. “No atestado de óbito, constava morte por decorrência de tuberculose, mas, quando o corpo chegou ao País, pedimos uma necropsia, que indicou que ela sofria de hepatite aguda”, disse o pai de Simone, João Felipe Borges. “Eu tenho certeza de que ela foi drogada. Ela chegou a denunciar à Embaixada do Brasil o que estava acontecendo.” Alguns suspeitos chegaram a ser presos na Espanha, mas foram liberados.
Patrícia (nome fictício), de Campinas, viajou para a Espanha há três anos acreditando que encontraria um bom emprego por meio de uma agência que contratava dançarinas. “Quando chegamos, fomos deixadas em um clube de Valência e nos falaram que deveríamos pagar a passagem trabalhando.” A empresa exigia US$ 100 por dia. “A dívida é a forma de manter as vítimas presas”, disse Maria do Socorro.
Situação irregular dificulta proteção para as vítimas
FACA DE DOIS GUMES:
Muitas imigrantes brasileiras ilegais são presas fáceis para as redes internacionais de tráfico de mulheres, pois a situação de ilegalidade as deixa completamente desprotegidas. “A legislação espanhola é uma faca de dois gumes”, disse a secretária-executiva da ONG espanhola Acsur Las Segovias, Sara O‡ate. A Espanha dá como opção às vítimas a denúncia e o pedido de proteção, oferecida pela Lei dos Estrangeiros. A vítima, porém, deverá comprovar que foi obrigada a viajar para a Espanha e não sabia que iria se prostituir. “A maioria das pessoas recusa essa proteção para evitar problemas com a imigração. Em 2004, apenas 40 mulheres estrangeiras foram protegidas por essa lei”, afirmou Sara. Em março de 2004, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ratificou a Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional. O documento define o tráfico de seres humanos como “recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção”. Antes, o Código Penal Brasileiro só considerava culpado o aliciador, e o restante da máfia ficava livre.
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