Autor: Luís Alaña Barrezueta
Para começar, esclareça-se que a criança não é um diabo à solta. «No fundo de toda a criança — disse alguém — há um sábio e um louco, um anjo e um demónio, um herói e um cobarde.» Esta dualidade enraizada na natureza humana e que São Paulo, com impressionante realismo, sintetizou em duas palavras: espírito e carne, acompanha o homem desde o berço até à tumba. A luta entre essas duas tendências é inevitável, e o pai ou o educador muitas vezes pode fazer pender o prato da balança para o lado positivo.
A criança tão-pouco é um anjinho caído do céu. É a segunda verdade que convém deixar assente. Pensar assim é reflectir uma candura rousseauniana, mil vezes contraditada pela experiência. Os pais e educadores estarão de acordo com isto. A criança é uma mistura de luz e sombras, de possibilidades estupendas e de defeitos notáveis. Por que não sublinhar as suas boas qualidades, sem demorar-se demasiado nos defeitos, o que por certo não significa que se tenha de ignorá-los?
Uma filosofia do castigo? Não creio oportuno nem possível desenvolvê-la aqui nestas poucas linhas. Digamos apenas que na antiguidade o castigo era altamente recomendado, como testificam os conhecidos ditados: «A letra com sangue entra» e «Quem bem te quer te fará chorar». E se lançarmos mão da Bíblia deparamos com deparamos com frases como estas: «A vara e a disciplina dão sabedoria» (Provérbios 29:15). «O que retém a vara aborrece a seu filho; mas o que o ama, a seu tempo castiga» (Provérbios 13:15).
Nestes últimos tempos a atitude para com o uso do castigo — especialmente físico — mudou, e há quem diga que o castigo formenta os temores mórbidos, a hipocrisia, a crueldade, a amargura, a sede de vingança, o sadismo e outros males semelhantes. Por tudo isso se olha para o castigo como uma velharia, já definitivamente superada. Os factos, porém, têm demonstrado abundantemente as consequências negativas desta atitude indulgente, que pretende ignorar que a criança é caprichosa e necessita de ser correctamente disciplinada.
O problema é: Como usar o castigo para que seja verdadeiramente proveitoso e útil? Castigar é fácil, sobretudo para algumas mães demasiado nervosas ou alguns pais demasiado voluntariosos. O difícil é castigar bem. Eis aqui alguns princípios que podem ajudar:
1 – O castigo não deve rebaixar nem degradar. A criança é um ser moral. Tem a sua dignidade que devemos proteger a todo o custo. Tem direitos invioláveis.
Quando as crianças não são respeitadas pelos seus educadores, não podem formar o seu sentido de dignidade própria. Um doente mental contou-nos que um tio, meio «bárbaro», cuidou dele desde a adolescência. À mais leve travessura despia-o e flagelava-o com uma corda de estender roupa. As feridas físicas cicatrizaram, mas a humilhação de ser despido nos seus anos de puberdade jamais cicatrizou.
2 – O castigo tem de ser adequado, em proporção com a falta cometida. Não é justo que a criança tenha de sofrer as consequências do revés financeiro que o negócio do pai sofreu ou a maledicência com que a vizinha faladora atingiu a sua mamã.
Deveríamos recordar que as crianças são mais inteligentes do que às vezes parece, e que costumam «medir» com bastante exactidão as faltas que cometem, embora às vezes o dissimulem. Seria um grave erro aplicar, por a criança ter deixado os sapatos sujos ou uma porta mal fechada, o mesmo castigo que por ter dito uma mentira. Se se procede desse modo, a criança fará uma confusão na escala de valores e não poderá hierarquizá-los convenientemente.
3 – A razão do castigo deve ser compreensível para a criança. Ilustramos isto com um incidente da vida real. Um dia, Jorginho quebrou uma chávena. A mãe quase ignora o acidente e limita-se a dizer-lhe que tenha mais cuidado. Mas na semana seguinte, Jorginho quebra outra chávena, a de «porcelana importada» que a mamã recebeu no dia do seu aniversário. Gera-se na casa um tremento conflito. A mãe grita desaforadamente e acaba por dar uma soberana surra na criança. Jorginha está totalmente confuso. Para ele uma chávena — qualquer chávena — é uma coisa que serve para tomar leite, e o leite tem o mesmo sabor em qualquer chávena. É importante que sejamos coerentes no nosso modo de disciplinar a criança.
4 – Deve-se disciplinar com amor e firmeza. Todo o castigo que não seja motivado pelo amor deve ser banido de qualquer sistema pedagógico, porque é contraproducente. Bem declarou uma célebre educadora: «O amor tem um irmão gémeo que é o dever. O amor e o dever acham-se lado a lado. O amor posto em exercício ao mesmo tempo que se descuida o dever tornará os filhos teimosos, voluntariosos, perversos, egoístas e desobedientes. Se se emprega somente o severo dever, sem que o amor o suavize e domine, terá um resultado semelhante. O dever e o amor devem fundir-se a fim de que as crianças sejam devidamente disciplinadas.»
5 – Uma criança aprende a fazer o que se espera dela. Se um educador ou pai espera que o seu filho ou educando se porte mal, terá de recorrer frequentemente ao castigo, e na maior parte dos casos sem resultado. A criança aprende a fazer o que se espera dela. Se uma criança é castigada porque se porta mal, e pensa de si mesma que é má, portar-se-á pior. Se uma criança é castigada porque é um bom menino que pode melhorar, então se portará melhor. Confiar numa criança é crer que ela pode portar-se bem e que, por meio da educação e da experiência — e ocasionalmente pelo castigo –, aprenderá a comportar-se melhor.
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