Autor: João Alves dos Santos
“Missões” tem sido a palavra mais ouvida atualmente em nossos círculos. Não seria um exagero, perguntam alguns? Por que se fala tanto em missões, ultimamente? Talvez a pergunta deveria ser: por que não se falou mais em missões anteriormente? O espírito missionário precisa caracterizar a Igreja se ela quiser ser igreja de Cristo. Não se concebe uma igreja viva, dinâmica e crescente, sem o espírito missionário. Ele faz parte da própria natureza da igreja, como agente do reino de Deus. Propagar as boas novas do Evangelho, ser o sal da terra e a luz do mundo, influenciar a sociedade, tudo isso é tarefa da igreja como corpo vivo, como agente transformador. A igreja é enviada ao mundo por Cristo assim como Cristo foi enviado ao mundo pelo Pai. É o que se entende por “apostolado da igreja”. Jesus disse na Sua oração sacerdotal: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo” (João 17:18). Por isso, queremos dar algumas respostas à questão em epígrafe: Por que Missões?
1. Porque é um mandamento de Cristo
Os mandamentos de Cristo não são sem propósito nem arbitrários. Eles têm uma razão, uma finalidade. Mas isto será visto depois. Aqui queremos apenas estabelecer o argumento de que não nos cabe discutir uma ordem superior. Se ensinamos aos nossos filhos que não é legítimo questionar ordens de superiores, sejam dos próprios pais ou de professores, patrões, governos, etc, porque a autoridade sobre nós constituída é ministro de Deus (Rm 13:1-2; Ef 6:1-2, 5-7, etc), com que direito podemos questionar um mandamento emanado do próprio Senhor da igreja?
Aos apóstolos e discípulos Seus, Jesus disse: Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século (Mt 28:19-20). É verdade que esta ordem foi dada primeiramente aos apóstolos e alguns dos aspectos nela envolvidos dizem respeito mais particularmente a eles, como os que iriam estabelecer a igreja neotestamentária e dar-lhe organização formal. Batizar os primeiros discípulos e ensinar-lhes “a guardar todas as coisas” que Jesus tinha ordenado só os apóstolos poderiam fazer, porque só eles receberam essa autoridade e só eles receberam de Jesus os ensinamentos, tanto aqueles que Ele lhes tinha dado pessoalmente, durante Seu ministério terreno, como os que deu mais tarde, por revelação do Espírito Santo, para que escrevessem as Escrituras do Novo Testamento. Jesus tinha prometido isso a eles, conforme João 14:26: mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” e 16:12-14: Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora; quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar.
Os apóstolos estabeleceram a igreja com oficiais e governo e a implantaram em, praticamente, todas as regiões do mundo conhecido. Não só nos campos mencionados em Atos dos Apóstolos e nas epístolas, mas conforme a tradição, em vários outros lugares como a Índia, a Etiópia, etc, etc. A partir dos apóstolos, o trabalho missionário passou a ser função essencial da igreja, parte da sua própria natureza. É interessante que não encontramos os apóstolos dando um outro mandamento, semelhante ao de Cristo, em seus escritos. Encontramos sim, o testemunho de que estavam cumprindo a sua tarefa de “pregar”, porque esse foi o mandamento que receberam (cf. At 5:42; 16:6; Rm 15:20; 1 Co 1:17; 9:16; 2 Co 2:12; Ef 3:8, Tt 1:3etc.). Mas nem por isso a igreja do período apostólico deixou de ser missionária. Em Atos 8:4 lemos que, entrementes, os que foram dispersos iam por toda parte pregando a palavra. A igreja não precisou de outro mandamento. Entendeu que aquele, dado aos apóstolos, se aplicava a ela também e apenas seguiu o exemplo dos que iniciaram e estabeleceram esse trabalho. Isto também não quer dizer que os apóstolos não ensinaram a igreja sobre a sua tarefa de agente do Reino. Paulo ordenou a Timóteo que ensinasse a homens fiéis que pudessem, por sua vez, ensinar a outros: E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros ( 2Tm 2:2). É assim que a igreja vem aprendendo e transmitindo o ensinamento de Cristo. Pedro disse que nossa tarefa, como raça eleita e sacerdócio santo, é proclamar as virtudes de Deus: Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1 Pd 2:9). A igreja só pode cumprir sua tarefa de ensinar a outros e proclamar as virtudes daquele que a redimiu se estiver presente entre os homens, em todos os lugares, e essa presença se faz através da sua expansão. E a sua expansão foi o motivo da ordem “Ide e fazei discípulos de todas as nações”.
2. Porque é um meio de se chegar à fé e de expandir a igreja
A Bíblia diz que os que invocarem o nome do Senhor serão salvos, mas diz também que para alguém invocar precisa primeiro crer e que para alguém crer precisa primeiro ouvir e que para alguém ouvir é preciso haver quem pregue e que para haver quem pregue é preciso haver quem envie (Rm 10:13-15). É a cadeia da evangelização e da obra missionária. Na base dessa cadeia está o Senhor Deus, que enviou o Senhor Jesus, que enviou a Sua igreja, que envia os seus pregadores.
Este é o caminho de Deus para trazer os Seus escolhidos à fé: a pregação. A pregação pressupõe um pregador e um pregador pressupõe uma igreja que o envie. Só a igreja do Senhor Jesus pode enviar pregadores. Só ela tem essa legitimidade. Por isso, missão é tarefa da igreja. Foi assim desde o princípio. Primeiro a igreja, partindo de Jerusalém, se fez presente em Samaria, através do evangelista Filipe e dos apóstolos Pedro e João (At 8:5-14), depois em Antioquia, através de Barnabé e Paulo (At 11:22-26) e de Antioquia ela se espalhou para as outras regiões da Ásia e Europa (At 13:2-4), já nos dias apostólicos. A igreja, no seu sentido espiritual, está presente onde quer que se encontre um de seus verdadeiros membros. E ali está também o testemunho e o anúncio da verdade de Cristo, conforme Atos 8:4. Muitas igrejas começam assim, com o testemunho e trabalho de evangelização de um só crente. Mas, para que o trabalho seja estabelecido e confirmado, é preciso que a autoridade eclesiástica, devidamente reconhecida, se faça presente ali. Foi assim nos primeiros dias, conforme vimos acima. E tem sido assim, em todos os tempos.
Se hoje temos a igreja estabelecida em nosso país foi porque ela saiu de suas fronteiras. Primeiro de Jerusalém, depois da Palestina, depois da Ásia, depois da Europa, e depois da América do Norte para chegar até aqui. E se hoje cremos, é porque alguém atravessou fronteiras e cruzou mares para nos trazer o evangelho. Este é o propósito de missões. Nossas fronteiras não podem ser apenas as dos estados de nossa federação. O mandamento inclui “todas as nações”. Nossa visão não pode ser menor do que a dos apóstolos e discípulos de Cristo. É assim que as pessoas ouvirão e chegarão à fé, como ouviram em Samaria, em Antioquia, em Salamina, em Pafos, etc., etc.. Este é o caminho que Deus escolheu para trazer os homens à fé.
3. Porque é um meio de se fortalecer a igreja local
Um grande engano, provocado por nossa falta de fé, é pensar que se nos dedicarmos à obra de missões, estaremos enfraquecendo o trabalho local. Estaremos “desviando” verbas que poderiam ser aplicadas em obras necessárias e até urgentes em nossas próprias igrejas. A experiência tem demonstrado exatamente o contrário: que igrejas que se concentram em si próprias e não têm visão da obra missionária acabam se enfraquecendo. A razão é que não estamos lidando com números e pessoas, apenas. Estamos lidando com fatos e questões espirituais. Uma igreja que não tem visão missionária não é uma igreja fiel. Não está cumprindo o seu propósito como igreja. E uma igreja infiel perde as bênçãos que Deus tem prometido. “Dai, e dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos darão; porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também (Lc 6:38) é o mandamento de Cristo. Se isto é verdade no nosso trato com os homens, conforme a aplicação de Cristo nesta passagem, quanto mais com respeito àquilo que fazemos em obediência ao Senhor!
Claro que não estamos dizendo que os recursos que devem ser destinados aos fins locais, como dízimos e ofertas específicas, devam ser “desviados” para a obra geral de missões. O que queremos dizer é que não estamos fazendo tudo, quando nossa contribuição e interesse se concentram apenas na obra local. O que muitas vezes percebemos é que aqueles que se recusam a ver os privilégios do envolvimento na obra missionária também não têm em alto conceito a obra local, nem um grande interesse nela. Enganam-se os líderes que pensam que fazer divulgação ou apelo em favor da obra missionária em suas igrejas, ou pedir que outros façam, vai tirar o interesse e a visão do trabalho local. As duas coisas geralmente andam juntas. Um crente interessado em missões e despertado para as suas responsabilidades nesse setor vai ser um crente operoso e interessado também na obra local. E, certamente, vai ser um crente abençoado com recursos materiais para contribuir para ambas as causas. Temos visto ministros que levam suas igrejas a se envolver intensamente com a obra missionária e, nem por isso, suas igrejas têm sofrido. Pelo contrário, elas têm se tornado mais vivas e até com maiores recursos financeiros. Todos os recursos vêm do Senhor e Ele no-los dá, quando nos dispomos para a obra.
4. Porque é um meio de se exercer o ministério da misericórdia
Nosso Departamento Missionário tem igualmente recebido e enviado donativos em espécie, como roupas, sapatos, remédios, material escolar, brinquedos, etc, para atender a algumas das necessidades de nossos irmãos mais carentes. É forçoso reconhecer que temos feito muito pouco ou quase nada nesta área. Só aqueles que visitam os campos podem dizer em que condições de necessidade vivem alguns dos nossos irmãos. Roupas e sapatos que são enviados das nossas sobras são recebidos como preciosidade por aqueles que nada têm. Ouvimos que, em certo lugar, dois irmãos se revezavam na freqüência aos cultos dominicais, um de manhã e o outro à noite, porque eles tinham apenas uma camisa para ambos. Fatos como esses nos comovem e nos envergonham! A Bíblia diz: compartilhai as necessidades dos santos (Rm 12:13). Mas como vamos “compartilhar” sem conhecer quais são essas necessidades? E como vamos conhecer se não estivermos envolvidos?
Quando Paulo levantou a coleta para os pobres de Jerusalém, contou à igreja comparativamente rica de Corinto a experiência que tivera com respeito às igrejas da Macedônia (Filipos, Tessalônica e Beréia). Por serem pobres ele quis poupar essas igrejas da contribuição. E sabem o que ele diz: Também, irmãos, vos fazemos conhecer a graça de Deus concedida às igrejas da Macedônia; porque, no meio de muita prova de tribulação, manifestaram abundância de alegria, e a profunda pobreza deles superabundou em grande riqueza da sua generosidade. Porque eles, testemunho eu, na medida de suas posses e mesmo acima delas, se mostraram voluntários, pedindo-nos, com muitos rogos, a graça de participarem da assistência aos santos. E não somente fizeram como nós esperávamos, mas também deram-se a si mesmos primeiro ao Senhor, depois a nós, pela vontade de Deus (2 Co 8:1). Este é um exemplo de voluntariedade e amor aos irmãos. E o segredo desse amor está na última afirmação de Paulo: E não somente fizeram como nós esperávamos, mas também deram-se a si mesmos primeiro ao Senhor, depois a nós, pela vontade de Deus. Dar-se primeiramente ao Senhor é o segredo da voluntariedade e da generosidade. Quando consideramos quanto o Senhor nos tem dado e quando reconhecemos que tudo o que somos e temos vem dEle, não nos sentimos constrangidos a compartilhar do que temos com nossos irmãos? Fazendo isto estamos fortalecendo a nós mesmos, à nossa igreja local e à obra geral da denominação, pois como lemos em Hebreus 6:10, Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome, pois servistes e ainda servis aos santos.
É interessante notar que, com aquela oferta levantada entre as igrejas fundadas pela obra missionária, a Igreja de Jerusalém, que era pobre, estava recebendo dividendos materiais do seu próprio trabalho. Era a igreja local sendo beneficiada pelo fruto de sua visão missionária. “Dai, e dar-se-vos-á”. Nossos campos já estão produzindo um retorno do investimento neles feito. Vários ministros que hoje servem à Igreja no próprio Departamento são fruto do trabalho de missões. Investir em missões é investir na própria Igreja. E esse investimento incluiu também a identificação com nossos irmãos em suas necessidades materiais.
Estas são, dentre outras, algumas das razões porque a Igreja precisa envolver-se em missões. Elas fazem parte de sua própria natureza e são essenciais à sua subsistência, como Igreja de Cristo. Cumprem o mandamento do Senhor, trazem os eleitos à fé, promovem o crescimento da igreja local e nos levam a simpatizar-nos com os que sofrem, fazendo-nos sentir como membros de uma mesma família.
(Publicado em O Presbiteriano Conservador de Maio/Junho de 2000)
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