Autor: Carlos Fernandes
Livro resgata a história dos evangélicos de Brasília
Que o Brasil é um país sem memória, todo mundo já sabe. Entre os evangélicos, a história se repete – se não for pior. Muitos assembleianos não sabem quem foram Gunnar Vingren e Daniel Berg, os pioneiros da denominação no Brasil. Entre os presbiterianos, nem todos conhecem Ashbel Green Simonton, responsável pela chegada da sua igreja no país. Por isso, iniciativas como a do jornalista e evangélico Jason Tércio, mineiro de Uberaba radicado no Rio de Janeiro, 46 anos, surpreendem. Ele acaba de lançar Os Escolhidos – A Saga dos Evangélicos na construção de Brasília, um levantamento completo sobre a presença protestante em Brasília. O livro, de 304 páginas, lançado pela Editora Coronário com apoio da Secretaria de Cultura e Esporte do Distrito Federal, resgata mais de 70 anos de história dos evangélicos no Planalto Central.
“Sinto que fui escolhido por Deus para escrever este livro”, comenta Tércio, parodiando o título da obra. Membro da Igreja Presbiteriana de Botafogo, no Rio, ele é filho de pastor assembleiano e teve sólida formação evangélica, o que considera fundamental para o trabalho que realizou. “O livro mistura jornalismo, romance e história, não se trata de uma mera exposição de fatos e datas.” A idéia surgiu de uma conversa com o pastor e deputado distrital Peniel Pacheco (PSDB), em cujo gabinete, em Brasília, Tércio trabalhava em 1994. “Foi ele que me sugeriu escrever o livro”, lembra o autor. Nos três anos seguintes, Tércio não fez outra coisa senão revirar arquivos, ler centenas de livros e referências bibliográficas, consultar incontáveis documentos e entrevistar cerca de 100 pessoas, a maioria testemunhas oculares da construção das primeiras igrejas evangélicas no Planalto Central.
Pioneirismo
A história dos evangélicos na capital federal começa bem antes de 21 de abril de 1960, data da inauguração de Brasília. Mais precisamente em 1922, ano em que o missionário americano Franklin Floyd Graham fixou-se na Vila Planaltina – então um povoado de casebres cercado de mato por todos os lados, e hoje uma das cidades-satélites de Brasília. Vinha a serviço da Junta de Missões Estrangeiras da Igreja Presbiteriana sediada em Nova Iorque e sua tarefa era descobrir locais onde fosse possível implantar núcleos de evangelização. Apesar das dificuldades naturais de uma região praticamente virgem e das restrições que sofria ao seu trabalho evangelístico por parte dos católicos, Franklin fundou a primeira igreja evangélica da região em 1924 e logo colheu seus primeiros frutos. Aqueles eram tempos heróicos, em que evangelizar exigia coragem para suportar perseguições – certa vez, a igreja que dirigia foi apedrejada durante o culto – e disposição suficiente para longas jornadas em lombo de burro, sob ameaça constante do ataque de feras e doenças tropicais. “Franklin foi o pioneiro do Evangelho na região”, confirma Tércio.
O interesse pelo Planalto Central, no entanto, só começou mesmo em meados da década de 50, com o início da construção da nova capital da República. Era uma época de entusiasmo e ufanismo, alimentados pela ênfase desenvolvimentista do governo do presidente Juscelino Kubitschek. Louco para uns, idealista para outros, JK conseguiu contagiar boa parte da população brasileira com o sonho de Brasília, “uma nova era na História do Brasil”, conforme a propaganda oficial. A região começou a atrair gente de todo o país, interessada nas vantagens oferecidas pelo governo federal – doação de lotes, isenção de tributos e salários mais altos. “Muitos evangélicos participaram desse êxodo, trazendo consigo sua fé e a semente das primeiras igrejas do futuro Distrito Federal”, salienta Tércio.
De acordo com o pesquisador, o primeiro culto protestante realizado na região após o início das obras foi em 1956, antes mesmo de qualquer missa. Um grupo de pastores batistas que “espiavam a terra” se reuniu, ainda em 1956, e orou para que Deus não permitisse que a idolatria jamais entrasse em Brasília. Onze dias antes, uma comissão de pastores da Assembléia de Deus de Goiás já estivera no local. O interesse evangelístico na região contou com um incentivo nada desprezível. Os pastores foram informados que receberiam terrenos para construir suas igrejas, gratuitamente – só teriam de arcar com o material de construção e a mão-de-obra. “Foi assim que as primeiras denominações se fixaram em Brasília”, informa Tércio. Entre os desbravadores, havia presbiterianos, batistas, assembleianos, metodistas, luteranos e congregacionais. Muitas igrejas instaladas nessa época permanecem lá até hoje, colaborando com a alta taxa de evangélicos da capital federal. Dos 1,5 milhão de habitantes, cerca de 300 mil são crentes – um índice de 20%.
Participação
Um dos méritos da obra de Jason Tércio é ressaltar a importância que os protestantes tiveram naquela época conturbada da História brasileira. Seus estudos abrangem o período compreendido entre meados dos anos 50 até 1968. A renúncia de Jânio Quadros, a resistência democrática em favor da posse de João Goulart, o golpe militar e a primeira fase da repressão ocorreram justamente naqueles anos. “Ao contrário do que se pode imaginar, os crentes em Brasília tinham uma participação política e social intensa. Muitos evangélicos ocupavam postos importantes e as igrejas eram centros comunitários. Além disso, diversos templos funcionavam como escolas e ambulatórios para a comunidade”, destaca Tércio.
A Cidade Livre, na verdade, era um imenso acampamento onde viviam as pessoas que iam chegando a Brasília. O nome se deve ao fato de seus moradores ganharem glebas para construir casas e não precisarem pagar um tostão de impostos ou taxas como água, luz e gás. Com esse empurrão, logo a região estava densamente povoada e com os problemas sociais típicos das grandes aglomerações humanas, como criminalidade, prostituição e alcoolismo – cenário perfeito para a atuação das igrejas evangélicas. “Em pouco tempo”, continua Tércio, “já havia igrejas com centenas de membros. O crescimento deveu-se muito mais à conversão dos habitantes locais do que à chegada de novos crentes.” A influência evangélica foi tão marcante que, em setembro de 1959, um coral infantil da Igreja Presbiteriana participou das comemorações do aniversário do presidente da República, cantando para JK no Palácio da Alvorada.
Os Escolhidos não é a primeira incursão literária de Jason Tércio. Ele já lançou o romance Pão de Queijo em Hide Park e foi redator, entre outros, do Jornal do Brasil e de O Globo, além de ter atuado como produtor e locutor da BBC de Londres. Atualmente, divide seu tempo entre a família – é casado e tem uma filha -, o trabalho e os cultos na Igreja Presbiteriana da Rua da Passagem, em Botafogo, Zona Sul do Rio, onde mora. “Gostaria que esse trabalho servisse como fonte de pesquisa, informação e edificação para evangélicos de todo o país e de Brasília, em particular”, espera o autor. Ele coloca seus telefones (021) 295-0652 e 295-0515 à disposição para pedidos.
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