Autor: Ricardo Gondim
Conta-se que um jovem ameaçava suicidar no parapeito de uma ponte.
Um policial recebeu a incumbência de dissuadi-lo do gesto tresloucado. Vagarosamente subiu até onde ele estava e arrastou-se em sua direção. Ainda fora do alcance de seus braços, iniciou o diálogo: “Jovem, a vida é bela, vale a pena viver”. O rapaz continuava resoluto a matar-se. O policial então tentou outra tática: “Eu lhe darei 10 razões pelas quais você não deve suicidar e depois permitirei que você me diga por que deseja morrer”. Minutos depois os dois se jogaram da ponte.
Essa história tragicômica reflete a nossa angústia existencial: queremos ser felizes. Pascal afirmava: “Todos os homens buscam ser felizes, até aqueles que vão enforcar-se”. O desespero de ser feliz é tão grande que estamos nos destruindo. Confesso que minha postura quanto à felicidade era um tanto estóica. Cria que a felicidade deveria ser subpriorizada diante do dever. Eu nunca ouvira falar em hedonismo cristão. Certo dia, ao lado de Russell Shedd numa longa viagem entre Fortaleza e São Paulo, ele me perguntou se eu já lera os escritos de John Pipper, teólogo reformado com doutorado no Wheaton College, no Fuller Seminary e na Universidade de Munique. Segundo Shedd, esse teólogo trabalhava com alguns conceitos interessantes sobre a felicidade e sobre como a mensagem de Cristo continha elementos hedonistas. Interessei-me pelo seu livro Desiring God (Desejando Deus) e de pronto o comprei. Pela enésima vez vi que precisava reelaborar minha teologia.
John Pipper inicia seu livro construindo a filosofia do hedonismo cristão em cinco pressupostos: 1) O desejo de ser feliz é uma experiência humana universal. Esse desejo é bom e não pecaminoso; 2) Nunca devemos negar nem resistir ao nosso desejo de ser felizes. Devemos, pelo contrário, intensificá-lo, buscando aquilo que possa produzir maior satisfação; 3) Só encontramos a felicidade verdadeira e permanente em Deus; 4) A felicidade que encontramos em Deus é plenificada quando compartilhada com outros em amor; 5) À medida que tentamos abandonar nossa busca de prazer e felicidade, desonramos a Deus e fracassamos em amar as pessoas.
Sei que, a esta altura, algum leitor deve estar estranhando que eu, um dos maiores opositores da teologia da prosperidade, esteja defendendo uma teologia aparentemente tão heterodoxa e tão próxima desse cristianismo utilitário que se pratica nos dia de hoje.
Estou consciente de que preciso acalmar alguns preconceitos antes de perder a força da argumentação.
Primeiro, essa teologia não é tão nova como se pensa. Jonathan Edwards, o pregador reformado do início do século XVIII, cria que a razão de nossa existência é glorificar a Deus à medida que nos deliciamos nele. Só glorificamos a Deus se formos realmente felizes.
Segundo, o hedonismo cristão não propõe que Deus seja um meio de alcançarmos prazer mundanos. O prazeres do cristão hedonista emana do próprio Deus. Ele é o fim de toda busca, e não um meio de alcançar outro prazer além dele próprio. Para o cristão hedonista, Deus é o gozo último e incomparável, a alegria infinitamente maior que a de andar em ruas de ouro ou de rever entes queridos. O verdadeiro hedonismo cristão não reduz Deus a uma chave que abre os baús de ouro e de prata. Ele busca transformar o coração para que possamos afirmar: “Para mim mais vale a lei que procede de tua boca, do que milhares de ouro ou de prata” (Sl 119.72).
Terceiro, o hedonismo cristão não é materialista nem mundano. Ele não faz do prazer um deus, mas afirma que nosso Deus estará sempre onde encontrarmos maior prazer. Jeová só será o meu Deus se eu encontrar nele a minha felicidade. O verdadeiro cristianismo não evita o prazer nem o gozo, mas busca-os em uma fonte diferente da do homem secularizado.
O Deus da Bíblia é feliz. Ele se delicia em si mesmo, na sua criação e em seus propósitos. Deus desfruta de infinita felicidade. “O Senhor Deus está no meio de ti, poderoso para salvar-te; Ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo” (Sf 3.17). Conforme o livro de Jó, a obra criadora de Deus foi feita com acompanhamento musical. “Onde estavas tu quando eu lançava os fundamentos da terra? (….) quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam e rejubilavam todos os filhos de Deus?” (Jó 38.4 e 7). O Senhor é consciente de seu caráter perfeito e de sua comunhão eterna na trindade. Pai, Filho e Espírito Santo desfrutam de tamanha felicidade, que fomos criados primordialmente para sermos participantes desta alegria. O anelo do salmista soa como mandamento: “Agrada-te do Senhor (….)” (Sl 37.4). O maior dano que o pecado causou não foi jurídico – ter quebrado uma lei escrita -, mas relacional. Ele danificou nossa capacidade de partilhar da felicidade divina. Na relação trinitariana, Deus experimenta uma felicidade suprema, tão perfeita, tão verdadeira, que Jesus clamou na oração sacerdotal: “E agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo” (Jo 17.5).
Jesus contou uma parábola que expressa bem o espírito do hedonismo cristão: “O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo-o achado, escondeu. E, transbordante de alegria, vai, vende tudo o que tem, e compra aquele campo” (Mt 13.44). Alguém descobre um tesouro e, impelido pela alegria, sai vendendo tudo o que tem para se tornar seu proprietário. A mensagem dessa parábola não nos induz a pensar que o reino de Deus é imobiliário, ela implica um relacionamento com o Rei. O tesouro aqui é intimidade com o Deus trino. “Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (Rm 14.17).
Millôr Fernandes afirmou sarcasticamente: “Sinto a sensação cada vez mais inconfortável de ser feliz num mundo em que isso está completamente fora de moda”. O mundo busca freneticamente a felicidade, mas acham-se cada vez menos pessoas felizes. Pelo número de antidistônicos vendidos nas farmácias, o que é uma tentativa de baixar o nível de stress e ansiedade da vida, percebe-se que a felicidade não está sendo encontrada. A convivência do dia a dia deixa claro que as igrejas, as universidades e os lares estão cheios de gente infeliz. Por quê? A resposta é simples. Não estamos buscando a felicidade na fonte certa.
Pipper fez uma afirmação ousada em seu livro: “O hedonismo secular busca a felicidade, mas não a busca com todas as forças”. Se o fizesse, satisfaria-se em Deus. Na verdade, essa geração garimpa felicidade em minas inviáveis e encontra cascalho. Cava poços para saciar sua sede e bebe águas podres. No afã de ser feliz, acaba ainda mais infeliz. O Padre Antônio Vieira questionou o porquê dessa irracionalidade: “Ora, veja cada um de nós o preço por que se vende, e daí julgará o que é. Prezais muito, e estimai-vos muito, desvaneceis-vos muito: quereis saber o que sois por vossa mesma avaliação? Vede o preço por que vos dais, vede os vossos pecados. Dai-vos por um respeito, dai-vos por um interesse, dai-vos por um apetite, por um pensamento, por um aceno: muito pouco é o que por tão pouco se dá. Se nos vendemos por tão pouco, como nos prezamos tanto? Filhos de Adão enfim. Quem visse a Adão no Paraíso com tantas presunções de divino, mal cuidaria que em todo o mundo pudesse haver preço por que se houvesse de dar. E que sucedeu? Deu-se ele, e deu a todos os seus filhos por um fruto. Se nos vendemos tão baratos, por que nos avaliamos tão caros?”
Deus estima a felicidade de sua criação ao ponto de dar o seu próprio filho para resgatá-la a si mesmo. As parábolas de Lucas 15 descrevem o drama eterno diante da infelicidade humana. Certo homem possui 100 ovelhas, mas diante do sofrimento de apenas uma, faz tudo para resgatá-la de volta ao aprisco. O júbilo de tê-la de volta é imenso. Uma mulher perde uma moeda, mas não descansa enquanto não a enc
ontra. Quando a tem consigo, chama suas amigas para celebrarem juntas. Jesus culmina contando a parábola de um homem que tem dois filhos, dos quais um o abandona, querendo ser feliz. Nessa busca da felicidade ele acaba miserável, angustiado e nu. Ao voltar para casa, arrependido e disposto a se contentar com a simples companhia do pai, gera grande celebração. Jesus veio ao mundo para nos lembrar que Deus Pai é feliz e articulou um plano eterno para resgatar seus filhos da miséria em que se encontram. Ele estava disposto a pagar qualquer preço, para que fôssemos participantes da glória divina: “(….) Jesus, o qual em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz (….)” (Hb 12.2).
Depois de ler o livro de John Pipper, estou convencido de que todos nasceram para ser felizes. Sobretudo, estou consciente de que as pessoas encontrarão essa felicidade somente em Deus. Sei que fama, fortuna e respeitabilidade humana não produzem a felicidade que completa homens e mulheres. Somente partilhando da felicidade do Deus trino se alcança a autêntica alegria. Jesus prometeu à mulher samaritana: “Quem beber desta água tornará a ter sede; aquele, porém, que beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede, para sempre; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna” (Jo 4.13-14).
Como aquela mulher, devemos pedir: “Senhor, dá-me dessa água”.
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