A ira de Deus e a pregação do evangelho

Autor: Derek Thomas

O tema de nossa mensagem nesta manhã é muito solene; eu me refiro ao assunto sobre A Ira de Deus. Eu me lembro de uma história ocorrida com Robert McCheyne quando uma vez se encontrou com Horatius Bonar, que havia acabado de pregar sobre este assunto – a Ira de Deus. No decorrer da pregação ele tinha enfatizado o destino do ímpio descrevendo de uma forma muito gráfica o juízo vindouro e entrou em alguns detalhes bíblicos da descrição do inferno. Então McCheyne perguntou a este pregador: “Você pregou sobre isto com lágrimas?”. A solenidade daquele evento é o que eu gostaria de lembrar neste momento. A solenidade deve existir para com todos os atributos de Deus, pois existe um falso ensino ao qual o Dr. Lloyd-Jones sempre se referia e que se chama sandemanianismo. É importante que saibam o que ele significa: é ter conhecimento das doutrinas divinas somente em sua cabeça. Você pode ter as doutrinas bíblicas muito bem definidas em sua cabeça, mas, a não ser que elas toquem os nossos corações e nos levem aos nossos joelhos em oração, e nos motivem à prática das boas obras bíblicas, então estas doutrinas não atingiram o seu objetivo. Quando vamos examinar sobre este atributo de Deus que é a Sua ira, os nossos corações e espíritos devem reagir positivamente a isto.

Vamos começar dizendo que a pregação sobre a ira de Deus praticamente desapareceu em nossos dias.

Eu fico pensando no que acontecia em meados do século XVIII e no ano de 1732 quando o puritano Jonathan Edwards pregou um sermão muito conhecido sobre a ira de Deus, que ficou intitulado “Pecadores nas Mãos de Um Deus Irado”, e é muito comum hoje em dia ouvir e encontrar em nossas leituras, críticas pesadas contra aquele sermão. Os críticos normalmente o acusam de ter feito uma descrição muito detalhada das misérias que ele descreve. E é verdade que ele faz uma descrição do inferno que às vezes vai além daquela que é descrita nas Escrituras, mas é minha profunda e sólida convicção que na medida que nós nos lembramos que isto é uma pregação ilustrada e que Jonathan Edwards não estava querendo dizer que cada parte daqueles detalhes ilustrativos que ele dizia eram pra ser entendidos literalmente, nós chegamos à conclusão que aquele sermão era profundamente fiel ao ensino da Escritura sobre este assunto.

Uma das razões pelas quais as pessoas têm objeções à doutrina da ira de Deus é simplesmente uma questão de como a pessoa tem se sentido. Alguns dizem que falar sobre a ira de Deus é falta de educação, porque é uma coisa necessariamente negativa e que, portanto, é algo contrário às pessoas que estão sendo evangelizadas; por isso não serve para ser usada no evangelismo. Uma das coisas que o movimento de crescimento de igreja diz, por exemplo, é que não devemos colocar qualquer obstáculo às pessoas que querem vir e ouvir o Evangelho. Devemos fazer as coisas mais fáceis e confortáveis para eles, se for possível. E a doutrina da ira de Deus é considerada um obstáculo à vinda dos incrédulos à Igreja.

Existe ainda uma outra perspectiva que levanta objeções à doutrina da ira de Deus, que é de uma natureza muito mais teológica, pois a primeira mencionada acima é uma objeção pragmática. Esta segunda é teológica. Sua argumentação é que esta doutrina, a ira de Deus, é indigna de Deus porque representa uma idéia imatura de Deus, e que é contraditória à doutrina de que Deus é amor. Se esta objeção fosse verdadeira nós teríamos de re-escrever muitas partes de Bíblia.

Pretendo então falar algumas coisas com relação a Ira de Deus.

Em primeiro lugar o Deus da Bíblia é diferente das divindades pagãs, pois aqueles eram imprevisíveis e mudavam de opinião por qualquer coisa. Os deuses assírios, por exemplo, eram conhecidos como deuses que podiam perder a paciência e de repente explodir em raiva, conforme nos informa a Bíblia em Hb.12, quando o autor do livro de Hebreus está se referindo aos pais humanos e às disciplinas que estes pais aplicam aos seus filhos, acrescentando que esta disciplina é feita de acordo com o próprio desejo do pai. Ou seja, é possível que os pais humanos, em uma explosão de raiva, castiguem seus filhos, sem que os castiguem por causa do princípio da justiça e sem o objetivo de criar a criança na disciplina e na admoestação do Senhor, mas simplesmente como uma reação de egoísmo e de ira. Mas a ira do Deus da Bíblia é diferente. A ira de Deus é sempre uma reação ao pecado, é um reflexo da santidade de Deus àquelas coisas que são feitas de forma contrária à Sua vontade. É importante que compreendamos que quando nós falamos a respeito da ira de Deus, nós não estamos falando a respeito de uma pessoa que tem o “pavio curto”, de uma pessoa que explode em emoções irracionais, mas nos referimos à reação do Deus Todo-Poderoso que é controlada pelos limites da sua justiça, sem nunca transgredi-los e que sempre é correta.

Em segundo lugar, a ira de Deus não é absoluta; em outras palavras, nós precisamos, ao lado da ira de Deus, integrar na personalidade dEle os outros atributos que a Bíblia menciona. Eu não estou dizendo que a ira de Deus prevalece sobre os demais atributos dEle, mas hoje pela manhã estamos focalizando nossas atenções neste atributo, o que pode dar a impressão que esta conferência fala somente sobre a ira de Deus, o que seria uma compreensão errada. O que nós desejamos nestas conferências é trazer em equilíbrio este assunto, não um equilíbrio humano, mas o das Escrituras. Por isso nós falamos primeiro da soberania de Deus, da Sua santidade, da Sua glória e poderíamos ter falado sobre a Sua justiça ou sabedoria. Em outra palestra, iremos falar sobre o Seu amor, mas neste momento examinaremos a revelação sobre a Sua ira justa.

Vamos mencionar agora alguns textos bíblicos que falam sobre este tema. O primeiro é o Sl. 103:8 onde lemos que Deus é tardio em irar-Se. Esta é uma maneira muito importante de nós nos aproximarmos deste assunto da ira de Deus, fazendo um contraste entre as divindades pagãs, que eram imprevisíveis quanto às suas emoções e que podiam irromper em ira a qualquer momento, e o nosso Deus que é tardio em irar-Se. Qualquer medida de Sua ira que experimentemos em nossas vidas, devemos sempre lembrar que é uma ira mitigada ou aliviada. Mais a frente trataremos de maneira mais detalhada sobre este aspecto. Agora olhemos para mais um texto das Escrituras que é muito conhecida de todos, em Ez.18 que diz que Deus não tem prazer na morte do perverso. O que estes versos nos dizem é que a ira de Deus não é uma emoção que Lhe acomete e que foge ao seu controle, mas que ela é controlada e revelada por Ele devagar. Vamos falar mais um pouco a respeito disto e lembrar que no VT há pelo menos 20 palavras hebraicas diferentes para se referir à ira. De acordo com estudiosos bíblicos, a idéia da ira de Deus aparece no VT mais de 580 vezes. Isto é um pedaço bem grande da revelação e nos mostra imediatamente que ela não é algo secundário que podemos simplesmente deixar de lado. O VT nos dá uma revelação profunda da ira de Deus, mas podemos imaginar as pessoas fazendo a seguinte objeção, que vem de uma heresia que surgiu no tempo da igreja antiga mas que ainda sobrevive de muitas maneiras hoje: a heresia do marcionismo que tem uma idéia muito simples e que por isso atrai muitas pessoas. A idéia é a seguinte: se o VT têm tantas referências à ira de Deus e você tem o conceito de que a doutrina da ira de Deus é indigna de Deus, você encontra uma solução simples, que é rasgar o VT de sua Bíblia. Você pega uma tesoura e recorta da sua Bíblia estas passagens e o que sobra é o NT. Não vá dizer que o Derek Thomas é um marcionita e que lhe recomendou que fizesse isto. Mas vamos considerar esta idéia, por alguns momentos. Então vamos analisar a lógica deste pensamento. Supondo que você cortou o VT e sobrou apenas o NT em suas mãos. Agora eu lhe pergunto: e o NT fala sobre a ira de Deus? Será que o livro de Apocalipse fala sobre a ira de Deus? É claro que sim! Nós vemos lá aquela visão da ira do Cordeiro. Em Ap.6:16 o apóstolo João não fala simplesmente da ira de Deus, ele ajunta o que parece ser um paradoxo: você tem a visão de um Cordeiro gentio que é uma das metáforas mais bonitas sobre Jesus – Ele é o Cordeiro de Deus – mas ao mesmo tempo ele a conjuga com a idéia da ira de Deus. Uma vez um estudioso do NT, que foi muito popular em gerações anteriores, cujo nome era C. H. Dodge , tinha uma série de críticas ao livro de Apocalipse dizendo que era um livro indigno do NT pela simples razão de que este livro fala da ira de Jesus Cristo. Vamos então arrancar também o livro de Apocalipse de nossa Bíblia.

Vamos para as cartas de Paulo. Será que Paulo fala da ira de Deus? Poderíamos gastar muito tempo indo de verso em verso, mas vamos tomar como exemplo Rm 1:18; depois de dizer no verso 16 “não me envergonho do evangelho” ele acrescenta no verso 18 “a ira de Deus se revela do céu”. Mas o que nós ouvimos na igreja hoje é que se você deseja atrair os pecadores a Cristo, e se você deseja que a igreja cresça e se expanda neste mundo, então você não deve falar sobre a ira de Deus, você deve esconder esta doutrina. Mas o apóstolo Paulo não fez isto; ele falou do Evangelho e imediatamente depois ele falou sobre a ira de Deus e a resposta para isto é simples: é que o Evangelho nos livra da ira de Deus. A menos que você tenha uma compreensão correta da ira de Deus e daquilo que o seus pecados e os meus merecem, a mensagem do Evangelho será truncada necessariamente. Poderíamos olhar a outras cartas de Paulo e nós iríamos achar a mesma coisa. Então pegue a sua tesoura e recorte as cartas paulinas.

Agora o que sobrou de nossa Bíblia? Não foi muita coisa. Vamos então aos Evangelhos. Vejamos os retratos da vida de Jesus que estão nos Evangelhos. Diz um hino inglês “Jesus gentil, doce e suave” e nele nós vemos Jesus esvaziado de um dos seus atributos, que é a ira. Porém o que nós encontramos, por outro lado, nos Evangelhos? Há pelo menos 2 incidentes ocorridos no início e no fim do Seu ministério, ambos aludindo a incidentes bem similares. Estou me referindo à purificação do templo feita por Jesus. Lembremos o que havia ocorrido. As influências do mundo haviam entrado no templo; refiro-me as pressões exercidas pelas idéias daquela época de comercializar e de entreter as pessoas. Havia pessoas que estavam vendendo cordeiros selecionados para sacrifícios. Você podia se dirigir a uma mesa para comprar um carneiro ou um pombo para o sacrifício por um determinado preço, ou iria a outra mesa e encontrava a mesma coisa por um preço um pouco menor, e se você fosse para uma terceira mesa, eles até lhe ofereceriam crédito. Ou seja, havia negócio lá dentro, havia comércio ali dentro do próprio recinto do templo. Neste momento Jesus relembra o que diz o profeta Jeremias e o peso que o profeta sentia ao dizer aquelas palavras “eles transformaram a minha casa de oração num covil de ladrões”. E a reação de Jesus foi de pegar um chicote e expulsar aquele pessoal de dentro do templo na base da chicotada e virar as mesas com chutes. Mas não compreenda mal esta passagem. Existe a tentação de nós exagerarmos sobre o evento, mas a passagem é muito clara e é fácil de ver o que os escritores do Evangelho queriam nos mostrar, ou seja, que aquela foi uma demonstração muito clara da ira de Jesus.

O outro exemplo está em Mc. 3:1 que diz que era um sábado e Jesus estava na sinagoga e ali estava um homem participando do culto que tinha uma mão ressequida. Jesus cura aquele homem demonstrando o poder de Deus e a Sua divindade inata, restaurando a saúde daquele homem completamente. Evidentemente, nos Evangelhos estes milagres funcionam como sinais daquilo que Jesus veio fazer, ou seja, restaurar a humanidade caída, trazendo-os para aquela saúde e perfeição para a qual a humanidade havia sido criada, restaurando as suas vidas espirituais através da propiciação pelos seus pecados, mas também lhes dando um vislumbre do mundo vindouro, um vislumbre da regeneração de todas as coisas, quando Deus criar os novos céus e a nova terra e quando com corpos ressurretos reunidos com os nossos espíritos que já estarão na presença de Jesus após a nossa morte, o povo de Deus então viverá na plenitude do ser humano. São estas coisas para as quais estes milagres apontam. Mas havia pessoas que não gostaram daquilo que Jesus fez e levantaram a objeção de que Jesus havia curado um homem no dia de sábado e no v.4 Jesus faz uma pergunta: “é lícito no sábado fazer o bem ou fazer o mal, salvar a vida ou tirá-la? Mas eles ficaram em silêncio, e Jesus olhando-os ao redor indignado e condoído … ” A palavra traduzida por indignado, no grego significa irado; é importante para nós ver que a revelação bíblica da ira de Deus está demonstrada na pessoa de Jesus e nos dá a noção muito clara de que está errada a idéia que diz que Deus é somente amor.

É verdade que Deus é amor e nada demonstra isto mais claramente do que a própria presença de Jesus em nosso meio. A cura que Jesus fez neste homem demonstra este amor, mas a dureza que estava no coração daquelas pessoas ao redor provocou a ira de Jesus e isto nos permite dizer imediatamente, que existe uma coisa que podemos chamar de ira justa; uma ira que se expressa dentro dos limites da justiça. Pra mim e pra vocês é muito difícil irar-se desta forma, conforme o que diz Paulo em Efésios “irai-vos mas não pequeis”. É muito comum nós querermos justificar a nossa ira. Vamos lembrar o contexto em que Paulo escreveu estas palavras. Ele está falando de nossos relacionamentos com os nossos filhos e também com aqueles com quem nós trabalhamos, e algumas vezes esta irritação que acontece nestes relacionamentos é geralmente desculpada como sendo uma ira justa. O que eu estou querendo dizer é que podemos ficar irados justamente, ou seja, irados pela razão certa, porque o Senhor Jesus também ficou, mas tratando-se de nós mesmos é muito difícil. Por exemplo, quando estamos disciplinando os nossos filhos ou aqueles que trabalham ao nosso redor ou sob a nossa orientação, nós estamos sempre caminhando na beira do precipício, porque nós estamos querendo controlar emoções que por si só são quase incontroláveis por causa do efeito do pecado em nossos corações. Vamos voltar a onde estávamos, eu apenas queria fazer esta pequena aplicação.

O que restou de nossa Bíblia? O VT foi embora, os escritos de João, de Paulo e os Evangelhos se foram e agora tudo que restou foi o livro de Atos e as cartas de Pedro e algumas poucas. Vocês estão vendo que coisa ridícula nós estamos fazendo? Nós estamos impondo o nosso julgamento sobre as Escrituras naquilo que nós julgamos que é certo e o que é errado. Esta é uma tendência que se manifesta em todas as épocas. A revelação da Bíblia é clara, um dos atributos de Deus é IRA.
Agora deixe-me dizer uma quarta coisa: a ira de Deus é pessoal. O que eu quero dizer é o seguinte: algumas pessoas podem dizer que de fato a Bíblia fala da ira de Deus, pois não querem fazer o que Marcião fez e acreditam que são cristãos bíblicos e acreditam que são sinceros no desejo de permanecer com tudo aquilo que a Bíblia diz. Mas, quando chegam na questão da ira de Deus, a interpretam da seguinte maneira: a ira de Deus é simplesmente uma lei fria e impessoal de causa e efeito. A pessoa de Deus não se envolve diretamente nisto. É simplesmente uma questão da lei, simplesmente uma questão que tem a ver com o princípio morto da justiça. Mas isto não é suficiente. Retornemos a Rm.1:18. Não é apenas que a ira se revela, mas a ira de Deus que está sendo revelada. Vamos nos lembrar do contexto em que Paulo escreveu estas palavras. No cap. 1º de Romanos Paulo está expondo um ponto muito importante. Ele está falando do homem natural, que não crê e não é crente e ele está dizendo que cada pessoa está cercada pela revelação divina através das obras de Deus na criação e na providência. Sempre existem testemunhas de Deus, até nas partes mais remotas do mundo, existem testemunhas de Deus. As pegadas de Deus estão em todo lugar. A semente da religião está dentro de cada homem e o homem natural é bombardeado por toda esta revelação natural. Revelação que fala do poder de Deus e de Sua divindade ao ponto em que a existência de Deus é algo com o que o homem natural é diariamente bombardeado. Eu acho muito interessante que Paulo nunca tenta provar a existência de Deus. Na história da fé reformada e do cristianismo em geral muitos argumentos tem sido apresentados para provar a existência de Deus. Mas aqui, Paulo não argumenta a favor da existência de Deus em momento nenhum. Ele simplesmente assume que Deus existe, de tal maneira que no fim do verso 20 Paulo diz que o homem natural é indesculpável. Eu gostaria que vocês percebessem a importância disto. Por um certo lado isto é algo que me surpreende. Ou seja, não há uma única pessoa no mundo todo que não saiba que Deus existe. Algumas vezes e de forma muito sincera nós nos perguntamos: o que será daqueles que nunca ouviram? E eu vou lhe responder sob um aspecto apenas, e é que não há um único indivíduo no mundo que não saiba que Deus existe, pois Paulo diz que eles são indesculpáveis.

O que Paulo diz a respeito desta semente de religião no coração de todos os homens? Ele diz que o homem natural suprime esta revelação, esta semente da verdade e a rejeita trocando-a pela mentira. Em outras palavras, o homem sabe mais a respeito de Deus do que está disposto a admitir. Isto sempre é verdade não importa o quão pecaminosa aquela pessoa seja e em que parte do mundo ela viva, ela sabe mais a respeito de Deus do que deseja admitir. Eles retêm, suprimem esta verdade. É como se você pegasse um garrafa de Coca-Cola e a sacudisse fazendo com que pressão interna dela começasse a crescer e aí você sabe o que acontece quando abre a garrafa, seu líquido sobe com força e espalha-se por todo lugar. O que Paulo está dizendo é que o homem natural está contendo a pressão que existe no seu coração, em relação ao conhecimento de Deus. Não é que ele não conheça a Deus, mas é que ele não quer conhecer a Deus.

Agora Paulo diz uma coisa muito importante. Por causa desta supressão que o homem faz, a ira de Deus se revela do céu contra estes homens. Eu gostaria de chamar a sua atenção para o tempo verbal, ele não está dizendo que a ira vai se revelar. Ele não está se referindo aquela ira que vai se revelar no dia do juízo, isto ele vai fazer no cap. 2:5 quando ele fala sobre o dia da ira de Deus. Mas aqui ele está falando de outra coisa. Está falando de uma ira que já existe, que já está sendo revelada e como ela está se revelando e a resposta está no vs. 24, 26 e 28 onde nós temos a seguinte expressão: “Por isso, Deus os entregou…” Deus os abandona aos seus próprios corações pecaminosos; Deus os entrega ao comportamento imoral deles. E no resto do cap. 1 Paulo nos dá uma descrição detalhada daquilo que ele quer dizer e enfatizando, porque ele está escrevendo no contexto do império romano, as manifestações particulares desse tipo de pecado dentro daquela civilização. Na medida que você dá uma olhada nesta passagem eu queria que você notasse a proeminência que Paulo dá a três pecados: a impureza sexual, o homossexualismo e desobediência aos pais; e é possível que alguns de nós se surpreenda que junto com estas declarações explicitas da impureza sexual, Paulo junte a desobediência aos pais. Isto vem nos lembrar da importância do relacionamento familiar e das estruturas que Deus planejou e criou para a família e a importância deste assunto. Existem marcas distintas e características de uma sociedade decaída. Uma civilização que Deus abandonou, uma sociedade sobre a qual a ira de Deus tem sido derramada e mesmo que nós não possamos falar com a infalibilidade de Paulo, nós podemos dizer semelhantemente à medida em que nós vemos os mesmos pecados manifestados hoje, podemos falar sobre o dia quando Deus virá julgar, e isto é verdade, mas que Deus já julgou a sociedade atual e a sua ira já se revelou, pois a impureza sexual que predomina em nossa sociedade é em si mesma esta evidencia da ira de Deus.

Nós precisamos examinar mais um pouco este assunto perguntando contra quem a ira de Deus se revela. E existe alguns aspectos aos quais eu gostaria de aludir. Em primeiro lugar a ira de Deus se revela contra aqueles que estão no inferno. Aqueles que estão naquele lugar sobre o qual Jesus falou: “apartai-vos de mim” . Aqueles que estão fora, nas trevas, onde o fogo queima e o verme não. E mais uma vez, é importante que nos lembremos que a Bíblia não fala da aniquilação do ímpio. Hoje em dia somos bombardeados pelos que acreditam no aniquilacionismo e até mesmo por pessoas que amamos e que fizeram grande bem para a Igreja e cuja integridade e sinceridade eu não questiono, mas que quando chegam nesta questão, do destino eterno dos ímpios, estão prestando um desserviço à Igreja. Vamos ver o que nos dizem os padrões de Westminster. Por que eles confirmam, suportam e apoiam a doutrina da punição eterna dos ímpios, pois falam de uma existência consciente em corpo e alma dos ímpios depois da morte debaixo da ira de Deus para todo sempre. Os que estão no inferno jamais escaparão de lá. Não há redenção para os que lá se encontram. Não há escapatória da ira de Deus e a situação está definida e selada por toda a eternidade. Isto é muitas vezes difícil de entender e muito mais difícil de se descrever. Para aqueles de nós que temos parentes e familiares descrentes é uma coisa dolorosa de se falar, entretanto devemos permanecer fiéis à descrição que a Bíblia nos dá sobre o destino eterno dos ímpios e dar a este conceito, a mesma ênfase que a Bíblia dá. A ira de Deus se revela sobre aqueles que estão no inferno, mas também contra as civilizações, conforme já me referi parcialmente a isto em Rm. 1. Eu não vou me estender sobre isto, mas quero frisar este ponto.

Mas, em outro sentido, a ira de Deus se revela também contra os Seus próprios filhos. A maior parte das referências sobre a ira de Deus no AT, falavam sobre a ira de Deus se manifestando contra os filhos de Israel e contra a comunidade do pacto. Você tem aquele brado em Amós 3 : “De todas as famílias da terra somente a vós outros vos conheci”. Esta passagem mostra que os filhos de Israel tinham um relacionamento especial com o Senhor. E por causa deste relacionamento especial o Senhor lhes diz que os punirá em virtude das suas iniqüidades. Mensagem semelhante nós encontramos em Ap.3 : “Aos que amo, Eu castigo e reprovo”. Mesma coisa em Hb. 12 : “Deus castiga a quem ama”. E você se lembra o que o autor diz aos hebreus quando faz a distinção entre os filhos legítimos e ilegítimos. Aos ilegítimos é-lhes permitido fazerem o que quiserem e o pai nunca os castiga, mas os que são legítimos, a estes o pai castiga, pois tem o desejo de algo melhor para eles. Tem um peso no seu coração a respeito dos seus próprios filhos. Na hora em que vê os seus filhos se desviando, ele os castiga, e isto porque os ama e são seus por causa desta relação pactual que ele tem com seus filhos. De maneira similar, o Senhor também às vezes nos disciplina. Muitas vezes não conseguimos compreender o porquê. E estivemos estudando na noite passada, o que aconteceu com Jó. Mas, algumas vezes, como disse o puritano J. Flavel : “o que Deus está fazendo agora na minha vida, pode ser difícil de entender, mas daqui há algum tempo podemos olhar pra trás através das páginas da história e podemos detectar a assinatura de Deus ao longo destas páginas tecendo a textura intricada que compõe a nossa vida e trazendo-nos para um andar mais íntimo com Ele”. E outra vez , este mesmo puritano disse que a providência de Deus é parecida com a leitura da língua hebraica, que você lê da direita para a esquerda.

A ira de Deus também se revela de outra maneira. Em Efésios 2 nos é dito que nós éramos por natureza filhos da ira. Nesta passagem encontramos um problema. Por um lado nós cremos na onisciência de Deus, que Ele sabe todas as coisas – com isto eu quero dizer que desde antes da fundação do mundo Ele já havia decidido amar aos Seus eleitos – e o problema é, como é que aqueles a quem Deus pré-conheceu, elegeu e predestinou, podem ser chamados de “filhos da ira”. A resposta é que a Bíblia ensina a necessidade da regeneração e quando nascemos neste mundo nós nascemos como filhos da ira, pois não temos nada a apresentar a Deus para a nossa salvação, todas as nossas obras são como “trapos de imundícia” e a nossa salvação é pela graça soberana de Deus e a operação salvífica do Espírito Santo de Deus, despertando os nossos corações e nos chamando de forma eficaz.

Há um outro aspecto sobre a ira de Deus em resposta à pergunta: de que maneira nós podemos nos livrar da ira vindoura de Deus? Nós já respondemos parcialmente a esta questão. Nós nos livramos da ira vindoura através da obra regeneradora do Espírito Santo. Mas onde é que esta obra de regeneração se baseia? Aonde o Espírito Santo nos leva? A quem o Espírito Santo nos leva? O que Ele faz é nos carregar com nossas mãos vazias, sem nada a apresentar em nosso favor, à cruz de Cristo. Porque ali, na cruz de Cristo, a ira de Deus contra os pecados de Seu povo foi propiciada. Esta é uma palavra muito importante. Na nova versão internacional da Bíblia na língua inglesa, por exemplo, que foi traduzida para o português , em Rm. 3:25 que fala sobre “propiciação”, eles a traduziram da seguinte maneira: “Deus o propôs (a Cristo) como um sacrifício expiatório”, isto é verdade, mas esta é uma tradução inadequada do original, pois Paulo quer nos dizer que na cruz de Cristo a ira de Deus contra os nossos pecados foi carregada por Cristo. Não é que Deus tenha suspendido a sua ira contra nós. Os nossos pecados precisam ser propiciados e esta propiciação precisa ser feita dentro dos limites próprios da justiça, portanto o pecado tem de ser punido, e quando nós ouvimos aquele brado na cruz do calvário “Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?” a santa ira de Deus foi derramada sobre o Seu filho Jesus com tal intensidade que parecia na consciência de Jesus que Deus o havia abandonado e rompido aquela relação filial com Ele. Por isso Ele não disse “Meu Pai, Meu Pai” como muitas vezes Ele orara antes, mas “Deus meu, Deus meu”. Então, na medida em que aquele Servo sofredor de Deus sofria ali, Ele estava levando sobre Si a justa punição pelos nossos pecados. É importante para nos compreendermos este ponto também, que toda manifestação da ira de Deus neste mundo, nos termos de Rm. 1:18, é uma manifestação que já foi aliviada e diminuída. Mas, no caso de Cristo no calvário, quando a ira de Deus foi manifestada sobre Ele, não houve qualquer mitigação ou diminuição. Jesus experimentou a plenitude da ira de Deus. É por isso que no credo apostólico, não importa quão difícil seja para alguns cristãos compreender, há uma expressão que os nossos pais na fé disseram que Cristo quando morreu desceu ao inferno. E eu pessoalmente acredito que a interpretação que Calvino faz desta expressão é a correta, que Cristo não desceu literalmente ao inferno quando morreu, mas que a Sua experiência de ser abandonado ao receber a imputação dos pecados foi tão profunda que, num sentido verdadeiro, Cristo experimentou o que é o inferno, posto que a essência do inferno é o abandono do amor de Deus. Inferno é ser esvaziado das misericórdias de Deus e de qualquer expressão de sua bondade também. Assim, naquele abandono que Jesus experimentou, nós que confiamos nEle podemos ter uma segurança que os nossos próprios pecados jamais serão punidos outra vez e que naquele dia do juízo, quando nós encararmos o Senhor Jesus e quando ira de Deus se revelar podemos ter a mais completa confiança que Ele pagou o preço completo; que Ele propiciou cada pecado e que nem mesmo um pecado oculto se revelará naquele dia para roubar a glória daquele momento. Esta é a lógica da obra propiciatória de Jesus Cristo, que Cristo morreu pelo seu povo, para trazê-los a Si, para propiciar a ira de Deus e para assegurar eternamente aos seus eleitos a vida vindoura. Isto deve provocar em nossos corações um hino de louvor e adoração pela grandeza do amor de Deus. O amor do Pai que deu Seu Filho, o amor do Filho que Se entregou e o amor do Espírito Santo que sustentou o Filho, e que pela Sua obra soberana nos traz a um relacionamento verdadeiro com o Cristo vivo. Vamos unir as nossa vozes com as dos anjos lá do céu.

Oremos. Nosso Pai celestial, mais uma vez nos curvamos ante a Tua presença e nos aproximamos de Ti através do único nome que nos foi dado abaixo dos céus pelo qual podemos ser salvos: o nome glorioso do nosso Salvador Jesus Cristo. Te damos graças, ó, Espírito Santo de Deus pela Tua obra eficaz de nos chamar e de nos levar a Cristo, pela tua obra de regenerar os nossos corações e de unir em uma união solene os privilégios particulares do Evangelho. Te damos graças por que a ira já foi propiciada. Te damos graças pela certeza de que nada pode nos separar do Teu amor. Nós Te bendizemos, porque não importando quão profundos e vis sejam os nossos pecados, o sangue de Jesus é poderoso para nos purificar de cada um deles. Na medida em que contemplamos a glória dos Teus atributos, ensina-nos Senhor a crescer no conhecimento de Ti. E te glorificar em tudo o que dizemos e fazemos. Tudo isto pedimos no nome de Jesus, Amém!

* I Simpósio “Os Puritanos” em Belém

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