A fragiliadade da Missão

Autor: Valdir Xavier de França
Parece claro à todos nós, que a igreja do chamado terceiro mundo tem tido e terá uma grande e importante participação no avanço do Evangelho em termos mundiais nesse novo milênio. Não podemos negar que houve uma vasta mudança no centro de gravidade em missões e que agora possuímos uma nova agenda. Cristãos vindos da Ásia, África e América Latina para a Europa, ficam impressionados e até mesmo chocados com o declino do cristianismo nesse continente. Em geral eles encontram um cristianismo apologético e ansioso para assegurar à todos que eles não querem impor a sua fé sobre ninguém.

Isto acontece ao mesmo tempo em que testemunhamos um vibrante crescimento da Igreja de Cristo, jamais visto em toda história, especialmente no chamado terceiro mundo. Patrick Johnstone, quando fala sobre o crescimento dos evangélicos nos últimos quarenta anos, ressalta que esse crescimento tem acontecido predominantemente nas partes mais pobres do mundo. Citando a América Latina e o que tem acontecido em nosso continente, especialmente na década de 70, nos faz sentir que vivemos num verdadeiro tempo de Deus (kairos). Tempo esse que com certeza nenhum de nós quer perder. Continuando ele declara que “existem mais evangélicos no Brasil do que em toda Europa”, o que deveria ser motivo de alegria, mas quando pensamos no velho continente e o que ele significa para todos nós hoje, não só como o berço da Reforma Protestante mas também em termos missionários. Sem dúvida alguma sentimos a grande responsabilidade que pesa sobre todos nós.

Porém, quando no meio de todo esse processo, começamos a refletir em nossa participação e em como podemos contribuir com a obra missionária como um todo, logo vamos nos deparar com algumas realidades desfavoráveis. Elas denunciam nossas muitas fraquezas, inabilidades e falta de poder político e econômico para abrir o caminho à nossa frente. Pois essa foi uma das alavancas impulsionadora do Cristianismo em direção ao chamado terceiro mundo no passado. David J. Bosch, menciona o fato de que “era natural para as nações do ocidente argumentar que aonde quer que o poder delas fossem a sua religião também tinha que ir”.

Não podemos esquecer que somos um Continente marcado pela instabilidade política e que também vive sob o signo da instabilidade econômica. Nem tão pouco devemos esquecer que quanto ao nosso contexto social estamos mais para recipientes do que para doadores. Além do mais no que diz respeito a missões, como disse Newbigin, que mesmo vivendo em um mundo globalizado ainda possuímos uma mentalidade paroquial.

Indubitavelmente, esse é um quadro que tem profundas implicações em nosso fazer missionário. Creio que até podemos dizer que essa é realmente uma das fraquezas de missões a partir do chamado terceiro mundo e também um dos nossos pontos mais vulneráveis. Segundo a Revista Mission Frontiers, citando estudo feito pela World Evangelical Fellowship Mission Comission, falando sobre o Brasil, diz que entre as causas de atrito indesejável que acontecem anualmente com missionários no campo fazendo-os voltar ao país de origem, são encontrados basicamente cinco fatores que alistados por eles são: Treinamento inadequado; falta de sustento financeiro; falta de compromisso; fatores pessoais tais como auto-estima, stress e problemas com colegas. Todos estes aspectos refletem um pouco daquilo que somos enquanto igreja neste momento histórico e do nosso envolvimento com missões mundiais.

Talvez devêssemos concordar com alguns que pensam que, neste exato momento de nossa história, não estamos amadurecidos o suficiente para participar em tal projeto ou mesmo nos questionar: Será que podemos, enquanto igreja do mundo pobre, fazer Missão?

Penso que deveríamos fazer algumas considerações que talvez venham a nos ajudar em nossa reflexão. Segundo Antonio Carlos Barro, devemos lembrar que até mesmo todos esses fatores que pesam contra nós, acabam se tornando um ponto positivo em nosso fazer missionário. Dizendo ele que uma das razões pelas quais as igrejas do chamado terceiro mundo não poderiam imitar as igrejas ricas do primeiro mundo se dá justamente por causa da sua pobreza. Também citando, no mesmo artigo, René Padilla quando afirma que as nossas igrejas continuam a ser, de uma maneira geral, as igrejas dos pobres e as igrejas para os pobres.

Creio que é exatamente para dentro desta dimensão que deveríamos nos mover e refletir a nossa ação missionária, enquanto igreja do terceiro mundo. Se torna fundamental para nós neste momento, não só entendermos o papel que temos que desenvolver em nossa missão, mas como também buscar uma compreensão mais clara da natureza e origem da missão que nos alcançou. A priori este é um chamado para entender de onde viemos e para onde estamos indo em nossa caminhada.

Primeiramente, creio que devemos entender que Missões é um ato da Soberania de Deus. Não é pelo fato de não pertencermos ao chamado primeiro mundo que devemos nos privar do privilégio de fazer Missões. Não é o quanto possuímos ou o que temos sobrando que conta. Nem mesmo o poder, quer seja ele econômico ou político, que deve nos motivar em nosso envolvimento em missões, pois foi em aparente fraqueza, debilidade e pobreza que a salvação de Deus chegou até nós.

Foi exatamente isso que Isaías expressou quando pintou o quadro da fraqueza e debilidade do Servo Sofredor. A mensagem parecia tão absurda e sem sentido para aqueles que a ouviam, que ele diz: “Quem deu crédito à nossa mensagem?”. Como podiam crer que o Deus criador de todas as coisas, que havia mostrado os seus atos salvíficos de modo tão poderoso, podia manifestar uma tão grande salvação morrendo daquela forma? Quem na verdade queria se associar com essa figura sem expressão e sem poder algum, que parecia incapaz de salvar-se a si mesmo?. Quando ele descreve o Salvador diz que “…Não tinha parecer nem formosura; e, olhando nós para Ele, nenhuma beleza víamos, para que o desejássemos.”. O que fica implícito no texto é que foi através da fraqueza do servo que a salvação de Deus, não só se tornou possível, mas como também se manifestou.

Paulo mais tarde usa Isaías como background para fundamentar a mensagem das Boas Novas. Ele afirma que aquilo que aparentemente era frágil se revelou em uma tremenda demonstração do poder de Deus e consequentemente todo aquele que põe sua confiança Nele tem salvação. Creio que o ponto aqui é exatamente o fato de que Deus, para alcançar seus propósitos usa aquilo que aparentemente é frágil para revelar a sua salvação aos povos. “Deus em sua soberania escolhe as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são; para que ninguém se glorie perante ele.” Foi assim que em meio ao aparente fracasso, Deus manifestou salvação à toda humanidade, com poder ao ressuscitar Jesus de entre os mortos.

Em segundo lugar, devemos entender que Missões é um ato de fé. Era para isto que Isaías queria chamar nossa atenção quando afirma “…O teu Deus reina”. Esta foi a mensagem das Boas Novas anunciada por ele, mesmo antes de falar sobre o Servo Sofredor. Israel, enquanto povo de Deus, não entendeu que aquele que o chamou de entre os povos estava no controle de todas as coisas. Ele reina e os seus propósitos serão efetivados e sómente Ele vai ser glorificado e honrado por isso. O chamado é para Israel confiar em Deus, crer que para Ele tudo é possível. Em nossa caminhada missionária não devemos esquecer de crer que ele reina e está no controle, e que qualquer projeto missionário é viável porque Ele reina. Quem de nós cria que alguns anos atrás, a cortina de ferro, viria a baixo e que as portas da Rússia se abririam para o Evangelho? Quem acreditava que o Evangelho sobreviveria na China comunista após a expulsão de todos os missionários? Independentemente das circumstâ ncias, Deus está no controle. A nossa certeza tem que estar naquele que, como disse João Batista, “…até destas pedras Deus pode suscitar filhos à Abraão.”

Mesmo em aparente fraqueza e debilidade a igreja do chamado terceiro mundo deve crer que aquele que reina, tem um chamado para seu povo independentemente de sua condição econômica, política ou social. Ele a esta chamando não por causa da força ou poder que ela porventura possua em si mesma. Ele a está chamando para que ande em obediência de fé, não olhando o tamanho de nossas congregações ou mesmo estar preocupados com a situação econômica e política do nosso país, que nos enfraquece. Creio que é exatamente neste contexto que Deus encontra o ambiente ideal para demonstrar o seu poder. O que cabe a nós é simplesmente ser fiéis. Entregar à Ele nossos talentos, recursos e energia como reconhecimento de que Ele reina. Para assim cumprirmos nosso papel no mundo.

O que resta então para nós, a luz do que foi dito acima, é pensar em como tudo isso pode afetar, de maneira prática a nossa expressão missionária no mundo, enquanto igreja dos pobres. Pensar em como podemos caminhar, mesmo em aparente fraqueza, em obediência ao chamado de Deus.

Primeiramente, penso que deveríamos fugir da tentação de ver missões como resultado de um mandato que pesa sobre nós enquanto Igreja. Abordando esse assunto Lesslie Newbigin diz que existe uma longa tradição que vê a missão da Igreja, primariamente como obediência a um mandato. Continuando ele diz: mesmo que esse venha a ser o caso, isso faz com que a tarefa missionária seja encarada muito mais como um fardo, do que como uma expressão de alegria. Muito mais como parte da Lei, do que da Graça de Deus.

Missões no inicio da Igreja Cristã acontece primariamente como uma explosão de alegria, daqueles que tiveram um encontro pessoal com Jesus. Mais tarde, daqueles que descobrem que Jesus está vivo e que são impulsionados a contar aos outros esse fato extraordinário que não podia se escondido.

Esta é uma das características da igreja do chamado terceiro mundo, que deveria ser preservada em nossa caminhada missionária. Muitas igrejas tem crescido ou são plantadas como fruto do esforço daqueles que, tendo sido alcançados por Deus, se sentem impulsionados pelo desejo de compartilhar alegremente as Boas Novas com suas famílias, vizinhos, amigos e parentes. Este é um dos aspectos que temos para contribuir enquanto igreja obediente. O simples fato de querer alegremente, compartilhar com outros as Boas Novas sem constrangimentos, nos leva a ser efetivos em missões.

Em segundo lugar, creio que a nossa fragilidade nos leva, inevitavelmente a uma interdependência, ou seja dependemos uns dos outros para a realização da nossa tarefa. É de capital importância para nós, realizar a obra em parceria com o resto do Corpo de Cristo no mundo.

Aprender com outras igrejas e contribuir com elas (e elas conosco) no esforço missionário, deve ser a nossa prioridade nessa área de parceria. Dentre as muitas coisas que temos que aprender com estas igrejas, e que não deveríamos negligenciar são: suas estruturas e como elas funcionam em todo o processo para melhorarmos também as nossas próprias estruturas e fazê-las funcionar de maneira correta; seu cuidado para com aqueles que são enviados por eles; qual o tipo de treinamento oferecido; visão de ministério e etc.

É preciso que entendamos que essa deve ser uma parceria aonde os obreiros da igreja do chamado terceiro mundo, sejam reconhecidos como parceiros de verdade, tratados no mesmo nível, tendo seus dons e ministérios reconhecidos, como uma contribuição a ser dada para a maturidade do Corpo de Cristo. Já não existem mais Judeus e nem Gregos, escravos e senhores, pois fomos feitos um em Cristo.

Em último lugar, a vantagem dessa igreja é que ela só pode contar com o poder de Deus para levar adiante a mensagem do Evangelho. Essa presença pode ser notada na forma como o Espírito Santo de Deus tem operado através dela e feito ela expandir.

Queria destacar a idéia tão bem expressada por Newbigin, quando fala sobre a presença de poder velada na fraqueza. Num mundo de tantos conflitos étnicos e animosidade, especialmente contra a dominação dos países do primeiro mundo, considerados cristãos e opressores. Uma igreja que não possua o poder político, está livre do peso de tentar usar poderes humanos para dominar e influenciar o mundo.

Uma boa maneira de pensar sobre tudo isso que temos falado até agora, é conforme descrito por David J. Bosch, citando D. T. Niles, quando retrata missões como um mendigo contando a outro mendigo aonde encontrar pão. Creio que poderíamos dizer que nós somos (enquanto igreja dos pobres) tão dependentes desse pão quanto àqueles para quem nós estamos indo e que a medida que o compartilhamos podemos experimentar o verdadeiro sabor e o valor nutritivo dele.

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