Autor: Luis de Souza Cardoso
Texto: João 20.19-23 e Atos 2.1-4
Este é um dia muito especial. A festa do Pentecostes, do Espírito Santo. A liturgia qualifica este dia como o “Aniversário da Igreja Cristã” – segundo a tradição o dia em que nasce a Igreja.
Assim, este evento nos leva a refletir sobre a nossa existência mesma, sobre o nosso papel neste mundo e o que nos move no cumprimento deste papel.
1. Enviados por Cristo:
Ao lermos o evangelho de João, podemos verificar que, antes de sua ascensão, Jesus visita os seus discípulos, que após os acontecimentos da crucificação, eram homens amedrontados.
Medo é o que os qualifica, fechados dentro da casa, recolhidos em receios e inseguranças. Jesus aparece ressuscitado diante deles e pronuncia a sua saudação: Paz seja convosco! Seguindo esta saudação, Jesus pronuncia o envio: Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio. Homens inseguros, medrosos, escondidos, refugiados no receio da morte; Jesus aparece diante deles e lhes diz: Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio.
Isto nos diz que para Jesus as nossas dificuldades, receios e até mesmo indiferença à missão, não são obstáculos intransponíveis e nós podemos ser enviados por Ele. Jesus agora materializava o seu desejo expresso anteriormente na oração sacerdotal: “Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal. Eles não são do mundo, como eu não sou do mundo … Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo” (Jo 17.15-16, 18) Eles não são do mundo, mas são enviados ao mundo.
Após a ressurreição, essa missão, é a única palavra que Jesus dirige aos discípulos; ela nos diz tudo: “eu vos envio”!!!
2. Fortalecidos pelo Espírito:
Logo adiante o discípulos iriam provar da perseguição e do martírio, porque o mundo reage assim, como reagiu diante de Jesus; do mesmo modo reagiria diante dos seus enviados, porque lhes opõe o testemunho que dão. Se o mundo não os enfrentasse, seriam ainda os continuadores de Jesus Cristo?
A missão deve suscitar essa oposição, porque ela não pode deixar de descobrir a mentira, o homicídio, o ódio que procedem do pai das mentiras e escravizam o mundo. Deixar o mundo na sua escravidão não é cumprir a missão delegado por Jesus Cristo.
Eis o desafio da missão em todos os tempos. A tentação do silêncio é grande. Não faltam motivos e justificativas. A própria preocupação pelo porvir da Igreja seria a tentação mais insidiosa. Para reservar à Igreja suas possibilidades futuras, prefere-se ficar calado no presente. A defesa da institucionalização da palavra de Deus faz com que essa palavra não seja pronunciada. Guardam-na com tantos cuidados e tanta proteção que essa palavra não ressoa no mundo, ou ela é recitada de modo puramente ritual ou formal, de tal sorte que não atinge nada nem a ninguém.
A história nos mostrou isso: enquanto a Igreja estava debaixo da perseguição romana dos primeiros séculos ela avançava corajosamente. Quando em 311 o imperador romano Galério proclama o Édito de Tolerância ao cristianismo e dois anos mais tarde, em 313, o Édito de Milão, pelo imperador Constantino, que havia se convertido ao cristianismo, inicia-se um período que os historiadores chamam de “a institucionalização da Igreja” ou a “constantinização do cristianismo” – agora o cristianismo é a religião oficial do império; aí se iniciou um período de calmaria e a Igreja deixou de avançar no mesmo ritmo missionário.
Vejam bem: Não estou fazendo apologia da perseguição ou do sofrimento, não! Estou tentando demostrar que, surpreendentemente, no tempo de dor, de medo e perseguição a Igreja dava sinais de maior coragem missionária, impulsionada pelo Espírito, e no tempo de calmaria, dava sinais de acomodação ao státus quo.
O que fez diferença naquele primeiro momento de coragem e ímpeto missionário? Afinal eram homens que estavam trancados em seus medos e frustrações. O que transformou estes homens? O que lhes atribuiu ímpeto?
3. NO Cumprimento da missão
Diz-nos a seqüência do texto de João, que, “…havendo dito isto ( Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio), soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo” (v 22). Aqui havia uma diferença, Jesus encorajava aqueles homens com a sua própria presença, com o seu sopro de vida e coragem, com a presença do Espírito Santo. Eles não estavam sós!
O Evangelho de Mateus, ao se referir a este último encontro de Jesus com seus discípulos, atribui a Jesus a seguinte promessa: “E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século.” (Mt 28.20b) A presença de Jesus e do Espírito Santo, a presença de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, em todas as suas múltiplas expressões, faz a diferença necessária para o cumprimento da missão.
É evidente que a Igreja nunca abandonou oficialmente a palavra de Deus. Celebra-a no culto, proclama-a na pregação, ensina-a nos diversos momentos de estudo. Mas há, porém, uma maneira de celebrar a palavra, que eqüivale ao silêncio, a negação da missão. Proclamada sem aplicação à realidade histórica, sem referência a objetos concretos, a palavra não preocupa a ninguém porque não denuncia nenhum mal real, nem denuncia nenhuma forma de escravidão do seres humanos.
Os discípulos não foram enviados primeiramente para celebrar um culto e sim para enfrentar o mundo, como luz que resplandece nas trevas. Se o mundo não reagir, se as pessoas escravizadas e escravizadoras no mundo não perceberem que a mensagem busca redimi-las, isto será um sinal de que a missão foi abandonada. A evangelização não está acontecendo, o envio não está sendo obedecido! O Espírito de Deus não está presente. Paulo assevera aos Romanos: “Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados?” (Rm 10.14-15). Nós somos enviados! Cristo vai conosco, o seu Espírito nos é oferecido. Qual tem sido nossa resposta diante deste envio?
Os discípulos são chamados a dar testemunho: “vós também testemunhareis” (Jo 15.27). O testemunho será o das obras; diz Jesus: “quem crê em mim fará as obras que eu faço, e outras maiores fará” (Jo 14.12). Mas será também o testemunho da palavra. Pois o Espírito estará presente e lhes dirá as mesmas palavras que Jesus dizia. “Quando vier o advogado – paráclito – que eu enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que procede do Pai, ele dará testemunho de mim” (Jo 15.26).
Essa palavra dos discípulos, enviados por Jesus, ungidos por Jesus, torna presente o testemunho de Jesus em todas as gerações. Os seus efeitos são os próprios efeitos da missão do Filho de Deus.
A narrativa do dia do Pentecostes, em At 2, nos revela que esta força para o testemunho e evangelização, a qual gera entendimento, unidade e verdade, estava derramada sobre os discípulos. “Todos ficaram cheios do Espírito santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem” (At 2.4).
O texto não diz que estas línguas eram estranhas, que não eram compreendidas pelos que as escutavam, nem que elas tenham causado qualquer espécie de confusão, antes pelo contrário, havia um Espírito de entendimento de mútua compreensão e de unidade, que atraía à esta mensagem, gente de todas as raças, (poderíamos acrescentar, de todas as condições sociais, intelectuais e culturais) as quais compreendiam o que estava sendo proclamado. “Quando, pois, se fez ouvir aquela voz, afluiu a multidão, que se possuiu de perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua. Estavam, pois, atônitos e se admiravam dizendo: Vede! Não são por ventura galileus todos esses que aí estão falando? E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna?” (At 2.6-8). Era uma reunião verdadeiramente ecumênica – no sentido da palavra – tinha gente de todas as partes. Estava quebrado, aniquilado pra sempre, o espírito de confusão e da Babel! Agora só a verdade, a unidade, a compreensão em favor do avanço do Evangelho.
Onde está o Espírito de Deus não há confusão, não pode haver desentendimento ou divisão. O Espírito Santo de Deus é unidade, compreensão, entendimento, coragem, força, desafio e capacitação à missão, o Espírito Santo de Deus é dinames, dinamismo e paixão evangelizante.
Há uma semana celebramos a experiência de João Wesley – o coração aquecido. Ele foi verdadeiramente impulsionado para a missão e a evangelização após esta experiência. Quando os púlpitos das catedrais já não lhe eram mais franqueados, ele saiu dali para as ruas, praças, para a boca das minas, para a porta das fábricas, para as casas das pessoas e onde quer que chegasse, via o drama dos seres humanos sendo escravizados e dominados pelos mais variados sinais de morte, de anti-vida. Isto lhe comprometia cada dia mais com o trabalho em favor da vida plena para o povo, com a denúncia do pecado da nação e com o anúncio da santidade e do ano aceitável do Senhor. “Reformar a nação, particularmente a Igreja e espalhar a santidade bíblica pela terra toda”.
Wesley tornou-se com muito mais intensidade um missionário, um discípulo de Cristo, um evangelista apaixonado, envolvendo-se concretamente com a misericórdia e com a piedade.
Conclusão
O que esta celebração de Pentecostes tem reservado para nossas vidas? Que chamamento tem nos feito? Quais os compromissos que podemos assumir diante do envio de Jesus? São questões para você e eu pensarmos seriamente e respondermos diante de Deus.
O mundo geme e clama, como ovelha que não tem pastor; a miséria material, intelectual, social e espiritual luta para ganhar cada vez mais terreno neste mundo. A Igreja de Jesus Cristo, ungida pelo Espírito Santo, é chamada a proclamar a vida, a salvação, a verdade e unidade em Cristo. Não há tempo que esperar, precisamos dar uma resposta afirmativa a Jesus, pregar, proclamar, prestar solidariedade ativa, a tempo e fora de tempo. É Jesus quem nos fala: “Eu, porém, vos digo: erguei os olhos e vede os campos, pois já branquejam para a ceifa” (Jo 4.35b). Amém!
Um abraço do amigo
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