Autor: Caio Fábio
O livro de Jó é o livro da fé e da ética vividos no contexto do absolutamente absurdo. No livro O Enigma da Graça trato, entre outras coisas, desse problema.
Aqui fica um resumo que espero abra o apetite dos leitores para a leitura do livro que escrevi, mas, sobretudo, aguce o desejo do leitor de ler na Bíblia o Livro de Jó.
A questão ética sobre o bem e o mal apresentada no Livro de Jó nos remete, como ilustração, à observação de Juizes 14: 4, 19. Ali, bem como em tudo o mais que vem na seqüência dos fatos narrados naquele texto—que eram, claramente, estratégias de Deus para criar inimizade entre Sansão e os filisteus a fim de destruí-los—, abre-se também a questão de se e quando os fins justificam os meios.
Ora, no texto de Juizes, os “meios” usados por Deus, todavia, não agradavam às percepções imediatas dos pais e contemporâneos de Sansão. Entretanto, estranhamente, isto “vinha da parte do Senhor”. E chamar isto de “vontade permissiva” de Deus não passa de um ardil semântico e uma tentativa de “explicar” o inescrutável, como se fosse uma “negociação divina” com “outras forças”, incluindo o Diabo e o livre arbítrio humano.
Ora, essa tentativa de “salvar Deus” pela via de uma “vontade permissiva” não passa de um mero vício filosófico de natureza escolástico-reducionista, própria também aos amigos de Jó.
Sim! Não passa de mais uma tentativa de trazer Deus para os grilhões de nossas ignorâncias!
Deus é o único que sabe o quê, num mundo caído, pode ser um “mal” que realiza um “bem”, ao mesmo tempo em que sabe quais são os “bens” que realizam o “mal”.
Somente Deus não precisa de uma ética filosófica para o que faz!
Afinal, Ele só faz o Bem, mesmo que a nossa percepção filosófica imediata seja a de que há um “mal” em curso!
Provavelmente, na eternidade, descubramos que nossos maiores males e dores tenham sido nossas maiores e melhores bênçãos na Terra!
E quando se crê nesse Amor que à tudo criou, perde-se o medo, pois, a Graça cobre o ser!
E o ser coberto pela Graça não se sente nu porque não está mais nu!
Entre os mortais, poucos seres chegaram aonde Jó chegou em sua alma e seu santo atrevimento na presença de Deus.
Entretanto, no Livro de Jó—como de resto em toda a Bíblia—,aprendemos que Deus põe o homem tendo que discernir a própria perversidade de seu caminho e a iniquidade de seus próprios pensamentos, antes de ter que se pre-ocupar com os “caminhos de Deus”, pois, esses, são previamente indisponíveis aos sentidos e às percepções.
E este é o engano: fica-se querendo saber qual é o “caminho de Deus”—que de acordo com Isaías é indisponível aos sentidos humanos—e não se busca discernir o próprio existir humano na Terra, que é fruto, para o mal, de “pensamentos iníquos”, e “caminhos perversos”.
Assim, a recomendação é para que se enxergue a si mesmo, e para que se tente discernir nossas próprias construções de valores e pensamentos, que são os produtores do nosso modo de caminhar—que pode ser bom ou mal.
O homem se manifesta na Terra como o produto de seus próprios pensamentos, sejam eles justos ou iníquos! E isto nada tem a ver com o que ele “recebe” na vida, mas com o modo como ele “responde” ao que “recebe”, incluindo todo “bem” e todo “mal”.
Com relação aos “caminhos de Deus”, o que o próprio Deus diz é muito mais simples, ou seja:
“Buscai-me e vivei!” E mais: “Buscai o bem e não o ma!”
E isto não vem de uma Lista ou de um Código fixo. O resultado que o genuíno encontro com Deus promove é amor àquilo que realiza o bem em nós e no próximo! Portanto, o que se pede a Deus é “vê se há em mim algum caminho mal e guia-me pelo caminho eterno”.
E isto é obra de Deus no coração que o busca e que se abre para deixar seus próprios pensamentos quando percebe que sua construção é iníqua; ou seja, quando não é justa e, por essa razão, promove a perversidade.
Outro nome para essa dinâmica interior é arrependimento, que é mudança de mente, de estrutura de pensamento e de proceder em relação a Deus, a si mesmo e ao próximo!
E a estrada que nos leva à esse “entendimento”—como diz Isaías—pode até mesmo ser um “caminho no mar e uma vereda nas águas tempestuosas”; ou “um caminho no deserto”—e que, ao final, abre “rios no ermo”. Portanto, nos deixando “soltos” na nossa presunção de saber qual é o “caminho de Deus” à priori, forcando-nos, assim, a caminhar em fé, a fim de que—quem sabe—possamos um dia discernir as veredas de Deus à posteriori!
O que passar disso, é problema dos amigos de Jó. Jó, todavia, nada mais tem a ver com isto!
E o que você me diz?
É possível uma outra leitura do drama de Jó?
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