Autor: Jonathan Menezes
A ação do Espírito, em Paulo, é o fundamento maior da história cristã, através da qual podemos vivenciar a fé, em todas as suas implicações, e estatuir a nossa identidade permanente como discípulos de cristo, sendo que a presença do Espírito em nós é nossa marca distintiva como “povo de Deus”. O teólogo Júlio Zabatiero, em “O Espírito Santo Libertador”, afirma que toda a soteriologia e a espiritualidade paulinas são pneumatológicas”, isto é, só podem ser compreendidas sob o prisma da ação do Espírito Santo de Deus, e, por conseguinte, também argüi que a pneumatologia paulina é essencialmente cristocêntrica. “Nós, Cristãos”, conclui Zabatiero, “somente experimentamos o Espírito como o Espírito de Cristo, como aquele que concretiza em nossas vidas o agir salvífico, o caráter e o senh! orio de Jesus Cristo”.
Em Romanos 8:1-17 e Gálatas 5, Paulo fala que, em Cristo, fomos conquistados e, pela Graça, “conquistamos” uma vida de liberdade. Somos libertos em relação a tudo o que diz respeito à “vida na carne”: livres do pecado e da morte (Rom. 8:1,2), e da escravidão infligida pela carne e pela lei (Gal. 5:18,24). Éramos escravos do pecado, e agora, em Cristo, e, pela contínua presteza da energia do Espírito Santo, somos chamados filhos de Deus (Rom. 8:16).
Mas cada vez que Paulo menciona sobre a liberdade (e esta é uma ênfase dada muito mais aos Gálatas), ele também procura atentar para o fato de que esta liberdade pode ser muito facilmente perdida. Por um lado, há aqueles que prontamente convertem liberdade em escravidão (5:1), e por outro tem também os que confundem liberdade com licenciosidade (5:13). Ao passo que liberdade Cristã é liberdade “do”, e não “para o” pecado. É uma vida em equilíbrio com a perfeita vontade de Deus, que não desconsidera o autocontrole, tão pouco o amor, sem os quais, liberdade não é “a liberdade”, e sim licenciosidade.
Deus nos aceita, não pelo cumprimento da lei, mas por sua infinita Graça, o que não quer dizer que ele ignore completamente a lei, mas, sim, ele espera que sua lei, tal como em Cristo, cumpra-se em nós, na plena dependência de sua Graça, e não por uma auto-indulgência moral farisaica. Mas como essas coisas são, de fato, possíveis? A resposta é: na total dependência da ação do Espírito Santo, como o único capaz nos manter verdadeiramente livres, conforme atestam as palavras de John Stott[1]: “Na verdade, é Cristo que nos liberta. Mas sem a obra contínua, orientadora e santificadora do Espírito Santo, a nossa liberdade tende a degenerar em licenciosidade”.
Não obstante, o andar e a vivência cristã “no espírito”, dá-se em meio a variados conflitos. Em Paulo, os combatentes destes “conflitos” são identificados como “carne” e “Espírito”. Versículos 16 e 17, de Gálatas 5: Andai no Espírito, e jamais satisfareis a concupiscência da carne. Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que porventura seja do vosso querer.
Por “carne”, Paulo entende como as inclinações pecaminosas e sórdidas da natureza humana. Aqui, ele não se refere a essa casta pela qual é revestido o nosso corpo chamada pele, ou à “matéria” em si, como sendo má, como preconizavam os docetistas. Mas trata da nossa natureza “caída”, e dos desejos pecaminosos suscitados por tal natureza. Por “Espírito”, ele aparenta fazer referência ao próprio Espírito Santo de Deus, que nos transforma, regenera e livra da escravidão das “concupiscências da carne”. Tal alusão distintiva lembra, de outra maneira, aquela feita por João a Nicodemos, sobre o Espírito que gera o “novo nascimento”: O que nasce da carne é carne, mas o que nasce do Espírito é espírito. (João 3:6 – NVI)
Nas palavras expressas por John Stott[2], encontramos uma forma “humana” de delinear este conflito imanente à vida cristã:
Os Cristãos, na expressão vívida de Lutero, não são feitos de “Pau e Pedra”, isto é, não são pessoas que “nunca se emocionam com nada, nunca sentem qualquer desejo ou anseio da carne”. É verdade que, à medida que aprendemos a andar no Espírito, a carne fica cada vez mais subjugada. Mas a carne e o Espírito permanecem, e o conflito entre eles é feroz e incessante. Na verdade, podemos até dizer que este é um conflito especificamente cristão. Não negamos que exista uma coisa chamada conflito moral nas pessoas que não são cristãs; no entanto, ele é mais feroz nos cristãos porque eles possuem duas naturezas, a carne e o Espírito, que vivem em um antagonismo irreconciliável.
De acordo com Júlio Zabatiero, a perspectiva presente no discurso escatológico, também nos ajuda a compreender o caráter conflitivo da pneumatologia paulina. Em oposição ao “dualismo ontológico”, matéria versus espírito, do mundo greco-romano, Paulo apresenta, nas palavras deste teólogo, “um dualismo ético-existencial Espírito-Carne. O oposto do Espírito de Deus não é a matéria, mas a carne. Esta, por sua vez, não se identifica com o corpo humano, mas com a rejeição da Soberania de Cristo. Ser carnal não é ser corpóreo, mas ser rebelde ao senhorio divino e estar escravizado a Satanás e a este mundo”[3].
Assim, conclui-se que, para Paulo, além de ser cristocêntrica, a ação do Espírito Santo dá-se em meio a um conflito existencial e escatológico, aqui e agora, cujas bases encontram-se concretizadas na história dos filhos de Deus, e não em uma realidade excepcionalmente subjetiva, etérea ou meta-corpórea. Além de seus muitos ministérios, o Espírito Santo é “Libertador”, e nos conduz à uma vida livre das amarras do pecado, da carne e da “falsa” consciência diabólica que no mundo opera, mormente entre os cristãos. “E assim”, como finaliza Zabatiero, “a conflitividade da vida cristã é colocada na perspectiva adequada, é a conflitividade inerente ao período das “dores de Parto” da consumação do Reino, é a conflitividade missionária da igreja”[4].
[1] STOTT, John R. W. A Mensagem de Gálatas: somente um Caminho. São Paulo: ABU Editora, 2003, p. 133.
[2] Ibid.
[3] ZABATIERO, J.P.T. O Espírito Santo Libertador. Texto não publicado.
[4] Ibid.
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