Religião neurótica, cristãos nervosos

Pode parecer um tanto estranho e até incoerente, mas temos que admitir que nós cristãos conhecemos pouco da graça de Deus. A cada dia somos mais convencidos dessa realidade. É estranho porque basicamente o cristianismo é fundamentado na teologia da graça de Deus, a qual afirma que o Eterno, misericordiosamente, nos amou e enviou o Seu filho Jesus cristo para a nossa salvação (João 3:16). Deduz-se daí que toda a ação amorosa de Deus em torno do ser humano é permeada pela graça, que etimologicamente significa “favor imerecido”, ou seja, não há em nós absolutamente nada que possa atrair o mínimo do cuidado de Deus. Somos imerecedores de qualquer bênção dos céus, mesmo aquelas que consideramos comuns, como a bênção de respirar ou a bênção de ver a luz do sol a cada manhã.

Não é curioso que sendo toda a história da salvação permeada pela graça divina conheçamos tão pouco desse atributo de Deus? Talvez a explicação para isso esteja no lado oposto da graça, onde mora o legalismo. O legalismo é uma forma de ver a vida e também uma forma de se relacionar com Deus e com as pessoas. Trata-se de uma proposta de vida baseada em pressupostos de justiça própria: a idéia é que as atitudes de justiça por parte do indivíduo concederão a ele direitos em relação às bênçãos de Deus e à vida melhor que Ele pode nos dar. Sendo assim, a pessoa legalista experimentará um sentimento interior de possuir crédito junto ao Todo Poderoso.

De forma prática, a proposta do legalismo funciona assim: a pessoa aprende que quanto mais reta for sua vida, maiores serão as bênçãos que ele alcançará. Então ele passa a tentar agradar a Deus com atitudes que entende serem de acordo com os princípios bíblicos aprendidos. No entanto ele descobre que isso nem sempre isso é possível em função de suas limitações e de sua natureza pecaminosa. A partir daí ele começa a experimentar uma culpa interior por ser pecador, por desagradar a Deus, por sentir-se em débito com o Eterno e por achar que a qualquer momento Deus irá castigá-lo. Sendo assim ele se esforça ainda mais para cumprir os preceitos bíblicos a fim de agradar a Deus. Como não consegue, passa a experimentar uma culpa maior ainda, além de um sentimento de inadequação. Começa a pensar que Deus já não o ama como antes e que a qualquer momento poderá perder a sua salvação. A sua religião se torna neurótica e o indivíduo passa a viver sob o peso insuportável de um julgamento interior (de si mesmo) e exterior (da lei). Este é o momento perigoso em que duas coisas podem acontecer: ou a pessoa se desequilibra emocionalmente, passa a viver vida dupla e se torna um cristão problemático ou abandona a fé e carrega culpa para o resto de sua vida. Esta é a razão pela qual o número de pessoas ligadas à fé cristã que estão internadas nos hospitais psiquiátricos é muito grande.

Precisamos retornar à mensagem da graça de Deus, que diz que o Eterno nos aceita como nós somos, que nos ama do mesmo jeito a cada dia, que nos abençoará tão somente pela sua misericórdia e não em função de nossas ações. Entender a graça de Deus significa entender que o Eterno não reagirá às nossas ações, mas somos nós que reagimos às suas ações de amor e de cuidado constante. Se servimos a Deus, se procuramos viver de forma íntegra, se procuramos agradar a Deus com o nosso viver, não é porque achamos que isso atrairá as bênçãos dos céus sobre nossas vidas, mas agimos assim como uma resposta de amor a um amor maior.

Precisamos de uma fé que nos tire da pressão ao invés de aumentar o peso sobre nossos ombros. Talvez precisemos ouvir do Eterno as mesmas palavras que o apóstolo Paulo ouviu em determinado momento de sua vida: “A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa a fraqueza” (2 Coríntios 12:9). Talvez isso aquiete os nossos corações e nos torne pessoas mais tranqüilas.

 

Revº Luiz Henrique Solano Rossi

Pastor da Igreja Presbiteriana “Cristo é Vida” de Bridgeport, Connecticut

Autor do livro “O que eu faço quando” – guia de sobrevivência na adolescência

revhenriquerossi@gmail.com

2 Comentário

  1. Concordo com o Reverendo. Na graça não há espaço para mérito, todo esforço próprio para alcançar a aprovação de Deus torna-se idolatria.Precisamos identificar os inimigos da graça. Talvez o principal deles numa sociedade pós moderna seja esse cristianismo de mercado.Contrariando o estilo de vida de Jesus, ter é mais importante que ser.Jesus se declara sendo o pão que alimenta, a agua que sacia a sede, a luz que dissipa toda escuridão, o caminho no qual nossos pés andarão seguros,a videira na qual estamos e que torna possível produzir frutos e o bom Pastor que cuida pessoalmente de cada ovelha sua. Esse Pastor quer nos guiar as aguas tranquilas, e para isso, devemos apenas confiar que Ele é pastor e não mercenário, e sempre nos conduzirá ao lugar de descanso em segurança. Ele é nosso Pastor e isso basta!

  2. É bem interessante a abordagem deste reverendo, mas, este cristianismo que foi citado de neurótico, é o cristianismo mecânico, e cheio de desculpas para não fazer nada diante da verdadeira graça de Deus, enquanto pessoas ficam se culpando tentando ser santas, e não entendendo o amor de Deus de “Jo 3-16”, pessoas estão morrendo e indo para o inferno. Deus já nos amou, e concordo que esta parte de imerecido, quando ninguém merecia, Jesus foi lá morreu na cruz, e levou sobre si todos nossas culpas, doenças. E nos deu a oportunidade de sermos filhos de Deus, se confessarmos nossos pecados e confessar Ele com nossa boca.
    Então devemos viver a graça de Deus, e amar a DEus acima de todoas as coisas e ao próximo como nós mesmo.

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