O que pensa o católico

Autor: PEDRO RUBENS
Pesquisa revela o perfil dos fiéis brasileiros
Reportagem publicada na revista Tudo, edição 14, de 06 de maio de 2001

Por Terciane Alves
e Ana Cristina Campos

Quem recebe o sacramento do batismo é católico e ponto final. Se a fé fosse algo simples assim, 73% da população brasileira iria todos os domingos à igreja e seguiria ao pé da letra as regras do Vaticano, que condena o uso da camisinha, o divórcio, o sexo antes do casamento e, claro, o aborto. Na paróquia, a realidade é outra. Segundo estimativas da própria igreja, 80% desse total é de não praticantes e apenas 18% participam de grupos como o Movimento de Renovação Carismática, cujo símbolo maior é o padre Marcelo Rossi. Nesse Brasil, teoricamente católico, também é evidente o crescimento do rebanho de evangélicos, que por meio da TV, do rádio e do culto com jeitão de espetáculo reúne milhões de seguidores.

A disputa de fiéis e a necessidade urgente de saber a opinião daqueles que acreditam em Deus fizeram com que o Instituto Nacional de Pastoral, órgão ligado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizasse a pesquisa Tendências Atuais do Catolicismo para tentar traçar o novo perfil do católico. “Precisamos saber se é hora de atacar as massas ou as pequenas pastorais e, assim, definir as diretrizes evangelizadoras da nossa igreja”, afirma o padre Dimas Lara Barbosa, secretário do Instituto Nacional de Pastoral da CNBB.

As razões da fé
1º Realização pessoal e busca de ética: cerca de 30%
2º Tradição: entre 17% e 27% das respostas de cada metrópole
3º Experiência de Deus: entre 13% e 21% das respostas
4º Busca existencial: de 6% a 7%
5º Encontro de uma verdade religiosa: entre 2% e 4%
6º Testemunho (cativado por histórias de outros fiéis): de 3% a 6%
7º Razões carismáticas, como curas e milagres: entre 1% e 3%
Fonte: Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris)

MAIS LIBERAIS QUE A IGREJA
Para ter essas respostas, foram entrevistadas 5.211 pessoas, maiores de 18 anos, em seis capitais. São brasileiros de todas as classes sociais, cuja maioria acredita em Deus. Eles responderam a 40 perguntas sobre temas como pena de morte, crenças, planejamento familiar e até mesmo manipulação genética. Os resultados, que TUDO divulga com exclusividade, são interessantes e surpreendentes.

A primeira descoberta é que nunca a fé foi tão importante na vida pessoal. Outra percepção é a visão cada vez mais crítica que o fiel tem da sua igreja. “As pessoas têm desejos religiosos fortes, mas se pautam por suas próprias convicções”, diz a socióloga Andréa Damacena, do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris), coordenadora da pesquisa. “O católico, por exemplo, questiona a instituição por condenar métodos anticoncepcionais, proibir o divórcio e outras questões de foro pessoal.” A pesquisa deixa claro que o novo católico é muito mais liberal do que sua igreja. Ele fecha com o Vaticano somente quando o assunto é homossexualidade e aborto e fica dividido quando o tema é o casamento entre padres e freiras (veja quadros).

A pesquisa deixa claro que os dogmas não provocam mais obediência nem temor. As pessoas buscam a fé porque acreditam na força de Deus. Ele pode ajudá-las a crescer, a se tornar melhores, a se realizarem na vida pessoal. Ética, tradição, experiência mística são, por isso, fortes motivos para se ter uma crença na opinião da maioria dos entrevistados. Já as curas e milagres, apesar do sucesso de Santo Expedito, Padre Cícero e Nossa Senhora Aparecida, são razões de crença para apenas 3% dos entrevistados. “A juventude dos anos 70 estava mais interessada em transformar a sociedade, a atual está preocupada com sua própria pessoa”, analisa o padre Alberto Antoniazzi, diretor do Instituto Nacional de Pastoral e do curso de teologia Pontifícia Universidade Católica de Belo Horizonte. “Mereço ser feliz é a frase que religiosos mais escutam na paróquia.”

Buscar a felicidade nunca foi um pecado. No entanto, fica claro que existe uma tendência ao individualismo desse novo fiel que a igreja, acostumada com as massas e grandes rebanhos, agora precisa contemplar. “As pessoas se matam de trabalhar como se a empresa fosse a coisa mais sagrada do mundo”, acrescenta o sacerdote. “Nesse cenário, a religião é um espaço de acolhida, onde não há rivalidade nem concorrência.”

O católico, principalmente os mais jovens, tem pressa e espera resultados. Se, na década de 70, a teologia da libertação fazia cabeças e corações, hoje, o que mobiliza a turma é a teologia da prosperidade – não se procura só a felicidade no céu, mas na terra. “É um contraponto para a sociedade moderna, que cobra impostos e torna o trabalho cada vez mais difícil e precário”, diz Antoniazzi.

ONDE ESTÃO OS FIÉIS
Além de conhecer o pensamento e os desejos de quem tem fé, a pesquisa pôde mapear onde a igreja de São Pedro é mais forte. A região metropolitana do Rio de Janeiro, apesar do poder do cardeal dom Eugênio Salles e do prestígio de padres da renovação carismática, como Jorjão, Zeca e Antônio Maria, é a menos católica. Lá, o que predomina é a pluralidade de religiões, com destaque para os evangélicos. Eles têm uma forte presença nas regiões Sudeste e Nordeste e são, sem sombra de dúvida, a segunda força religiosa no Brasil.

Em São Paulo, concentram-se os católicos mais tradicionais, que acreditam em Jesus Cristo, em Nossa Senhora e nos ensinamentos da igreja. Já em Porto Alegre, há muitos fiéis desvinculados. “São pessoas que têm fé ou acreditam em Deus, mas não pertencem a uma religião”, diz a pesquisadora Andréa Damacena.

Outro dado surpreendente é o grande número de adeptos dos cultos afro-brasileiros na capital gaúcha. Segundo a pesquisadora, Porto Alegre tem mais adeptos que Salvador. Ela ainda não sabe explicar o motivo, mas supõe que seja porque lá as pessoas se sentem mais livres para dizer que participam do candomblé ou da umbanda. Em Salvador, mesmo que as pessoas freqüentem terreiros, o catolicismo vem em primeiro lugar.

O que a igreja fará com todas essas informações? Já está marcado para o mês de julho uma assembléia geral da CNBB em Itaici, no interior de São Paulo, quando bispos e padres, representantes de todas as pastorais, irão discutir o resultado das pesquisas, comparar as opiniões por cidades, refletir, chegar a uma conclusão e partir da a ação. “A nossa conduta e o nosso discurso pode mudar”, afirma o padre Dimas Lara Barbosa, secretário do Instituto Nacional de Pastoral da CNBB. “Temos a obrigação de agir, falar e estar onde o nosso fiel está.”

Colaborou Luisa Alcalde

Na pesquisa foram entrevistados 5.211 pessoas em seis regiões metropolitanas.

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