O ministério leigo – uma perspectiva histórico-missiológica

Autor: Sérgio Paulo Ribeiro Lyra

INTRODUÇÃO

Não é difícil constatar que existe uma dicotomia e, às vezes, freqüentemente uma competição-preterição, entre o ministério ordenado e o ministério leigo. Esta diferenciação de classe religiosa especial e povo religioso, tem suas raízes na própria nação de Israel. Isto não significa a não existência em outros povos anteriormente, mas em referência ao cristianismo, foco do nosso trabalho, é em Israel a origem. Deus ao instituir o sacerdócio levita, jamais teve como propósito criar uma classe de “servos de primeira linha” em detrimento dos outros de segunda grandeza. Sem o povo, o serviço sacerdotal não tem sentido, tratava-se da ordenação do serviço, um modelo antecipado do que Cristo realizaria plenamente.
Apenas com o propósito de diferenciação, partimos da definição de que leigo é o servo eleito por Deus e não institucionalmente consagrado ao ministério pastoral. Sabedores da ampla gama de possibilidades e assuntos correlatos que a questão do leigo suscita, o escopo deste trabalho se limitará a pesquisar o ministério leigo através de uma abordagem histórica, identificando aspectos importantes da área da missiologia.
Como fator escrutinador, optamos pela ótica da polarização “movimento” versus “institucionalização”, adotada pelo missiólogo David Bosch em seu livro Witness to the World. Tal prisma nos levará a observar o desenvolver histórico avaliando o aumento do ardor e ações missionários, em contra partida da institucionalização que surge e, via de regra, “calcifica” o movimento. Para tanto, em busca de identificar um equilíbrio sadio, doutrinário e prático, da participação do leigo na tarefa missionária, e vendo o leigo como membro da Igreja, e esta como agência divina participante da Missio Dei. A nossa pesquisa, inicialmente, apresenta uma síntese do surgimento do ministério ordenado no AT, para dela analisar com mais detalhes o assunto no NT, dando principal destaque ao período da Igreja Primitiva. A partir daí, passando a adotar a lente avaliadora proposta por Bosch, dividimos o período histórico subseqüente, apenas para efeito de estudo, em três: A era Constantino, de 313 à pré-reforma; A reforma protestante e a pós-reforma, de 1500 à 1850 e o terceiro período: As missões modernas de Carey até hoje.
Por fim, concluímos demonstrando a necessidade de um equilíbrio saudável entre leigos e ordenados como fator indispensável na ação missionária estratégica, tanto por princípios teológicos quanto por adequabilidade ao momento hodierno da evangelização.

CAPÍTULO 1
O SURGIMENTO DE UMA CLASSE RELIGIOSA ORDENADA NO AT

É enfático o ensino bíblico de que para Deus não há acepção de pessoas (Rm 2:11 ; Ef 2:13-16). Contudo, é a mesma Bíblia que revela o próprio Deus escolhendo homens e mulheres para propósitos específicos (Jz 4:4-5; Je 1:4-5; Rm 16:1-2). No desenrolar da historia, é provável, que o povo judeu tenha confundido a escolha sacerdotal divina que lhe torna “luz às nações” (Is. 49:6), com as funções das classes sacerdotais pagãs. Tal miopia do plano divino (Is. 42:19-25), fez surgir uma classe especial de religiosos, distintos do povo por sua suposta posição privilegiada perante Deus. Este falso conceito sacerdotal, porém, não encontra eco nos registros da história Bíblica em seus primórdios, pelo menos até o advento da lei de Moisés.
2.1 – De Adão a Aarão: Apenas Leigos
O Gênesis relata com riqueza de detalhes a ação de Deus na raça humana, utilizando Ele pessoas que poderíamos, sem restrição alguma, chamarmos de leigos. Trata-se de pessoas que vivendo a realidade de qualquer outro da sua época, residindo a diferença apenas no adequado relacionamento que mantinham com Deus. Enoque anda com Deus (Gn 5:22 ), Abraão um homem rural que, pela fé, submete-se à ordem divina (Gn 11). Jacó, um enganador trapaceiro e desonesto, é tocado por Yahveh, torna-se o pai de Israel, mas continuou a ser um administrador de rebanhos. José, vendido como escravo para Egito, é depois naquele lugar elevado por Deus à função de vice-governador, desempenhando importante papel na história. Estes e muitos outros, estavam envolvidos com o modus vivendi de suas respectivas épocas e culturas. Todos, porém, eram servos leigos, sem ofício ordenado, mas participantes do plano eterno de Deus, onde a relação é pessoal.
No início de Israel, a relação com Deus era um assunto familiar. Segundo o comentarista A. R. Buckland, “nos tempos dos patriarcas, o chefe da família, ou da tribo, operava como o intermediário representado a sua família diante de Deus”. O mesmo autor afirma que durante o cativeiro no Egito, tal função foi deturpada e parcialmente, o povo absorveu a posição do sacerdote egípcio, descaracterizando a relação familiar com Yahveh. Em conseqüência disto, no êxodo, porque “havia israelitas que detinham e exerciam esse direito de sacerdócio, tornou-se necessário designar institucionalmente uma ordem especial para desempenhar os deveres sacerdotais”.
2.2 – Levitas, Sacerdotes e Profetas
É no contexto de educar e mostrar ao povo como cultuar e adorar a Deus, do jeito que o próprio Deus se agradava, que deve ser entendido a escolha da tribo de Levi para o ministério sacerdotal. Essa tribo não era uma classe superior de adoradores em Israel, eram servos que corrigiam uma distorção introduzida na maneira correta de se relacionar com Deus – a absorção de ritos e formas pagãs do Egito no culto a Yahveh. Com isto, o Senhor introduziu a figura do sacerdote, separado, mas homem igual aos seus irmãos, podendo ter família, viver socialmente, etc. O sacerdote tinha o objetivo de servir o povo em relação ao culto a Deus.
Além disso, o plano redentivo de Deus, logo nos primórdios, revelou a necessidade de um mediador, como conseqüência do pecado que separou o homem do seu Criador. A figura do sacerdote, também se constitui um tipo do modelo mediador perfeito que é Cristo. A eleição dos levitas para esta obra, por preconizar tal figura, exigia um padrão que os distinguiam do povo, um padrão modelar a ser imitado, pois para tal função eram ordenados.
Com este pano de fundo em mente, podemos melhor entender o primeiro ato de ordenação que aparece na bíblia e o trágico evento da morte de Nadabe e Abiú, filhos de Aarão (Lv 8). Eles introduziram “fogo estranho”, algo que talvez herdaram do Egito, e ao não seguirem as instruções de Yahveh dadas por Moisés, ambos foram mortos por Deus. Este fato carece de reflexões teológicas mais profundas, que por não ser o foco de nosso estudo, limitar-nos-emos a identificar, sem discutir, três considerações sobre o aspecto do serviço sacerdotal:
1) O sacerdócio é modelar, é exigido santidade pessoal do sacerdote e conformidade com o que foi divinamente estabelecido, para que este possa conduzir o povo à santidade e em santidade;
2) Não havia privilégios de Deus para os sacerdotes, mas um serviço especial, não havia acessos especiais a Deus, a mediação e sacrifícios eram para eles mesmos e para todo povo;
3) A ação sacerdotal e litúrgica dos levitas eram para o povo de Israel, e ao mesmo tempo, o próprio Israel foi feito povo sacerdotal às nações (Ex 19:6).
Ao passo que o sacerdote apresentava “coisas, dons, ofertas e sacrifícios do homem para Deus”, o profeta exercia a função inversa, revelando Deus ao homem. De início, o profetismo em Israel surgiu como uma ação reguladora da monarquia, tendo como sua figura primeira o sacerdote-profeta Samuel. O profetismo não se originava por herança familiar, mas pela livre escolha de Deus. A voz do profeta era advertência, denunciadora do erro e convidatória ao arrependimento, quer seja ao povo, à realeza ou aos sacerdotes. Diferente do sacerdote, a vida do profeta se identificava muito mais com a do povo, eles foram chamados por Deus das mais diversas classes.
Digno de nota é o caso do profeta Amós. O texto no qual ele declara: “Eu não sou profeta, nem discípulo de profeta, mas boiadeiro e colhedor de sincômoros” (Am. 7:14), nos dá a clara instrução que em sua época, já havia se instalado em Israel, uma espécie de “dinastia profética” e também uma escola de profetas. Amós, porém, poderia ser considerado um “profeta leigo”, mas que, nem por isso, sua autenticidade e autoridade profética poderiam ser questionadas, inclusive pelo rei (Am 7:12-13), elas haviam sido dadas a ele por Deus.
Por outro lado, a figura do profeta, de forma análoga a do sacerdote, representava alguém em relação próxima e direta com Deus, e também antecipava outro ofício de Cristo, o profeta que revelaria plenamente Deus aos homens (Hb1:1-4).
Podemos assim perceber, com estas poucas abordagens, que o propósito divino, revelado no AT quanto o estabelecimento de ofícios, não foi o de institucionalizar classes religiosas especiais e superiores. Mas através do sacerdócio e dos profetas, além de ministrar as reais necessidades espirituais do seu povo, delinear o ministério do Messias, Varão perfeito, Profeta e Sacerdote eterno, o qual seria o único mediador que levaria os assuntos e realidade de qualquer pessoa a Deus (I Tm 2:4), e de Deus traria toda a revelação divinamente estabelecida (João 17).
2.3 – O Caso Neemias: Um Leigo Restaurando a Cidade
A restauração do povo Judeu na fase final do cativeiro babilônico é particularmente interessante para o nosso estudo. Os judeus que foram deixados em Jerusalém por Nabucodonosor estavam vivendo na miséria e desgraça, à mercê de exploradores e de homens perversos (Ne 1:3; 5:1-5). O restante do povo, a melhor estirpe levada cativa, ainda sofria o cativeiro babilônico, embora já gozassem de um afrouxamento concedido pelo rei persa. É nessa circunstância que Deus fez o coração de um copeiro, um autêntico leigo, se agitar em prol de uma missão.
Material para a reconstrução da cidade, cartas aos governadores das províncias, guardas de proteção, enfim, um plano estratégico de missão bem elaborado foi delineado. O fato de Neemias ser um leigo, não implicava em comunhão diminuída ou deficitária ou ainda carente de mediação (Ne 1:4-11; 2:4). Há praticamente 70 anos o povo de Israel estava privado do serviço sacerdotal, contudo é exatamente neste contexto que o ministério leigo de Neemias se mostra para nós, o início de uma verdadeira reconstrução integral.
Neemias não reconstrói apenas os muros e edificações da cidade, ele também investe nas estruturas sociais e espirituais. Ele sabia que a Palavra de Deus levada seriamente produz mudanças. É deste relato bíblico onde, já no AT, podemos encontrar um equilíbrio dos ministério
s leigo e ordenado. Neemias solicita a intervenção e a ajuda do Sacerdote e escriba Esdras, o qual havia preservado os escritos de Yahveh. O missiólogo Roger Greenway, ao comentar o caso Neemias, afirmou: “ele colocou as escrituras nas mãos dos leigos”, e isto gerou toda a força produtiva para três restaurações: a cidade, as estruturas sociais e a vida espiritual do povo.

CAPITULO 2
DA IGREJA DO NT À IGREJA DA PRÉ-REFORMA

A partir da formação do corpo apostolar, pode ser identificada uma quebra no status quo religioso estabelecido na nação de Israel. Este primeiro marco do ministério de Jesus pode, e deve, ser visto como a destituição de qualquer classe religiosa privilegiada. Os apóstolos, escolhidos pelo Senhor, não eram de linhagem sacerdotal ou profética, eram homens do povo, leigos, trabalhadores de diversos segmentos. Foi através da ministração exemplar de Jesus que seus discípulos puderam ver e experimentar os valores do Reino de Deus, onde “o que quiser ser o maior entre vós, seja este o que vos sirva” (Mt. 20:26). Ninguém recebe um “cargo” no Reino por direito de nascimento biológico ou distinção (Mc. 3:35). Apenas os que “nasceram da água e do Espírito” podem ter missão no Reino (Jo 3:5). Após a crucificação de Jesus, o véu do santos dos santos foi rasgado, como símbolo da extinção da figura sacerdotal humana mediadora. Cristo, agora, assumia o seu ofício perpétuo de sumo-sacerdote (Hb 4:14-16). O Espírito Santo em poucos dias inauguraria, o sacerdócio de todos os crentes em Cristo através da igreja (At 2:16-21; I Pd 2:8-9).
3.1 – O Modelo da Igreja Primitiva
É correto afirmar que no inicio da igreja não havia distinção entre ministério ordenado e ministério leigo. Fato também era a proeminência do ensino dos apóstolos como preservadores credenciados da doutrina de Jesus. Com o passar do tempo, textos como o de Atos 6 fala da eleição e ordenação de diáconos, e mais posteriormente a primeira carta de Paulo a Timóteo relata a ordenação de Timóteo ao ministério pastoral pelo presbitério (I Tm 4:14). Estes textos testificam que na igreja primitiva havia ministros ordenados e ministros leigos. Contudo, diferente das atribuições dos sacerdotes do AT, a ação de obreiro ordenado é voltada para o serviço da Igreja, como membros que cooperam juntos com os demais para a edificação. Ao falar dos ministérios de sustentação na igreja, Paulo declara a finalidade dos mesmo:
“Com vista ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguem à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não sejamos como meninos, agitados de um lado para o outro e levados ao redor por todo vento de doutrina…” (Ef 4:12-14)
A igreja Primitiva também foi ensinada a conferir honra aos ministros que a serviam (Hb 13:7; I Tm 5:1), porém, isto jamais objetivava a instituição de privilégios não compartilhados pelos “cristãos comuns”, nem a existência de uma classe especial de religiosos. O reconhecimento era ao serviço de servos dedicados (I Pd 5:1-2).
Quanto a ação dos leigos missionários informais, como são chamados por Michael Green, a igreja não fazia uma distinção de importância entre eles e os ministros de “tempo integral”. Interessante registrar que quando se tratava da obra missionária de evangelizar, homem ou mulher não faziam diferença ou sequer havia restrições. A grande ação missionária de Igreja em seus primórdios, foi fruto do trabalho de “cristão comuns”, que sendo comerciantes, escravos, funcionários do império romano, proprietários rurais, etc., se utilizaram de suas mobilidades e atividades para verbalizarem a fé cristã. Embora seja o apostolo Paulo a figura que se destacou como o grande missionário da igreja, o NT não deixou de registrar mais de 30 leigos que eram indispensáveis à obra das missões. Johannes Bavink, o pai da ciência de missões, em seu livro An Introdution to the Science of Mission escreveu: “Quando Paulo fala, ele usualmente pensa, antes de si mesmo, nos seus apóstolos companheiros e nos numerosos companheiros colaboradore que o ajudavam”. Tal afirmação deve nos levar a ver o livro de Atos não com apenas dos apóstolos, mas como “um livro de repetidas referências do uso de pregadores não oficiais”.
Por volta do ano 60 dC, esta não distinção, parece ter gerado problemas nas igrejas ao surgirem homens intitulando-se apóstolos e profetas, porém trazendo deturpações e heresias da verdade (II Co 11:5,13; 12:11; II Tm 4:1-4). Por causa disso e em busca de reservar a inteireza da doutrina cristã, a função do bispo, como pastor local e mantido pela igreja local, passou a ganhar importância. O segundo século da igreja é marcado por uma grande massa de missionários que o historiador Stephen Neill chama de “profissionais mantidos pela igreja” e também “não profissionais leigos”. É a partir deste período que podemos perceber o delineamento de uma nova distinção religiosa privilegiada, fruto de uma necessidade institucional apologética. Os bispos passaram a exercer maior autoridade sob sobre suas igrejas. Começou assim, a ser construída, através da patrística, a instituição igreja.
3.2 – O Surgimento do Clero e o Seu Desenvolvimento
A urgência de se tratar os problemas de deturpação doutrinária advindos do próprio seio da Igreja, e isto acrescido ao fato de ter que se defender dos ataques externos, tais vertentes de ataques, provocaram cada vez mais, a necessidade do bispo defender e firmar a igreja que pastoreava. A Igreja do segundo século iniciou a construção de uma forma de governo que em breve seria reconhecida como “bispo monárquico”, ela estava por criar, à princípio por motivos prementes e justos, um verdadeira casta de “religiosos” que colocaria o ministério leigo no ostracismo por vários séculos.
Um evento, porém, tornou-se o marco definitivo para a instituição definitiva da igreja cristã. No ano 313, o imperador Constantino promulgou o edito de Milão que tornava o cristianismo “religio licita”. A igreja outrora perseguida agora conquistava o império. O fator “institucionalização” começou a ganhar proporções galopantes, e a balança sacramentalizou o ofício bispal.
Surgiu então em Nicéia, o primeiro concilio ecumênico. A questão ariana envolveu 318 bispos, e o imperador Constantino abriu e apoiou o concílio. O estado passou a prestigiar o cargo religioso. O “movimento” do cristianismo passou a sofrer a conseqüência da “calcificação”. O ponto alto ocorreu em 380, quando o imperador Teodósio declarou o cristianismo a religião oficial do império. Os bispos receberam poder judicial civil, além das exclusivas autoridades eclesiásticas. O leigo era então, apenas um cidadão, ofertante, aprendiz e submisso à igreja, uma classe diferente e inferior de membro da igreja.
Com a institucionalização da igreja e sua incorporação ao império romano como religião oficial, o cristianismo tornou-se a religião do “status-quo”. Seus adeptos se avolumaram rapidamente, sem refletir o resultado de uma conversão verdadeira. A cristianização tornou-se então “aderir a uma religião”. Neste mesmo período surgiu o monasticismo, com a grande marca da ordem beneditina, uma reação ao “engessamento” eclesiástico, mas que não deixava de ser um movimento de ordenados. Este movimento marcou definitivamente o trabalho missionário por séculos. Os monges foram, praticamente, os grandes missionários da Igreja Católica, e os responsáveis pelo anúncio da fé católica em praticamente todo continente europeu, tendo atingido também parte da Ásia.
Se a igreja primitiva se utilizou amplamente dos leigos na evangelização pela amizade “com demonstração de santidade e vida”, ao longo do tempo podemos verificar que a estratégia não foi repetida. No século V alguns povos não cristãos da Europa, considerados bárbaros, sofreram uma invasão de padres e bispos que levavam a cultura européia junto com o cristianismo a ser comunicado. Além disso, a Igreja como instituição, atrelada ao poder civil por muitos séculos, provocou uma tensão entre o anúncio da fé pela influência, e até pela força, em associação da pregação do evangelho do amor. Essa tensão chegou ao cúmulo com extremos vergonhosos nas cruzadas da Idade Média, 1100 dC, as quais foram um misto de fé fanática, ard
or “missionário”, romantismo, ambição de fama e poder, etc., gerando desgraças e muitas inimizades em nome do cristianismo. Os leigos eram apenas “soldados da Igreja”.
Já a estratégia dos monges foi a de duplicação de seus mosteiros, a educação e obras beneficentes em conjunto com a pregação cristã, produzindo bons resultados. Sendo cada novo mosteiro um novo celeiro de ordenação de monges, isto gerou uma cadeia de reprodução que se mostrou frutífera para a época. Merece ainda registro o fato de que a atividade missionária da Igreja no período em foco foi praticamente realizada pelo clero, ao contrário do que ocorreu nos 250 primeiros anos, com raras exceções como o caso de Raymond Lull e poucos outros.
 
CAPÍTULO 3
A REFORMA PROTESTANTE: UM RETORNO DO MINISTÉRIO LEIGO

A Igreja Católica Romana, por séculos, considerou o papa, bispos, monges e padres, como uma classe diferenciada de pessoas. Priorizava-se o clero ou participantes do “estado espiritual” em detrimento dos demais, que faziam parte do “estado temporal”, uma espécie de pessoas passivas que deveriam ser submissas, e careciam da intervenção, mediação, ensino e bênção dos “espirituais”, os membros do clero. Os reformadores contestaram esta idéia distorcida da autoridade e sacerdócio exclusivo de uma classe especial, como sendo uma grande discrepância do ensino Bíblico. É a partir da reforma que se pode delinear o surgimento de um “movimento” que busca restaurar o equilíbrio, corrigindo uma distorção secular que alijou a participação missionária leiga da vida religiosa.
Durante os duzentos primeiros anos após a reforma protestante, a grande ênfase missionária ainda recaía sobre a ação da Igreja Católica. Segundo o historiador Herbert Kane “o desenvolvimento das missões católicas romanas coincidiu com a expansão além mar dos impérios de Portugal e Espanha”. A ação missionária protestante, na busca de consolidar o seu espaço no continente europeu e ainda fortemente influenciada pela sua teologia reinante, só veio a tomar vulto por volta da metade do século XVIII.
Ao contrário do que se poderia pensar, a reforma protestante não produziu uma redução drástica de cristãos romanos. Nesta mesma época pós-reforma, a expansão missionária católica assume proporções significativas no Japão com os jesuítas, na China com Mateus Ricci, nas Filipinas com Legaspi, na Índia com quase todas as ordens, nas Américas, etc. Esta ação católica se deve fortemente às ordens católicas, trabalho de padres e noviços e irmãos leigos. Tão intenso foi este trabalho que Kane registra que antes da expulsão dos jesuítas, em suas reduções, foram batizados quase um milhão de índios.
4.1 – A Doutrina do Sacerdócio Universal de Todos os Santos
Os reformadores não puderam concordar simultaneamente com o ensino bíblico e a existência do clero. Começando com Lutero, foi declarado que Cristo é o único mediador, e que na Igreja cristã todos são sacerdotes. De mãos dadas com a doutrina do sacerdócio universal, estava, na percepção dos reformadores, a doutrina da suficiência das Escrituras, pela qual eles defenderam que todos os cristãos tinham o direito e privilégio de ler, entender e ser ensinado pela Palavra, sem a necessidade de um sacerdote ordenado. Martinho Lutero, ao escrever o seu Apelo à Nobreza da Nação Alemã, em 1520, declarou:
“Todos cristãos são verdadeiramente do estado espiritual, e não existe diferença entre eles exceto em suas funções. Paulo afirma em I Co 12:12-13 que todos nós somos um só corpo, com cada membro tendo sua função através da qual serve os outros. Isto é conseqüência de termos um só batismo, um evangelho, e uma só fé, e sermos todos cristão, iguais e atuantes uns nos outros; pelo batismo, evangelho e fé somente, somos feitos um povo cristão… E assim se segue que não existe verdadeira diferença fundamental entre pessoas leigas e sacerdotes, entre príncipes e bispos, entre aqueles que vivem em mosteiros e aqueles que vivem no mundo. A única diferença não tem nada haver com status, mas com a função e trabalho que ele desempenham”.
Na verdade, os reformadores não rejeitaram a ordenação de ministros da palavra e suas responsabilidades sacramentais, a grande rejeição era assumir que um sacerdote, missionário, bispo ou monge por estarem totalmente envolvido com atividades religiosas, eram pessoas “mais próximas de Deus” e distintas das demais em autoridade e santidade, sendo esta última distinção, até um título que lhe era designado. João Calvino não defendia que todos os cristãos poderiam agir como um sacerdote. No seus ensinos ele afirmou: “Nenhum cristão, em sã consciência, faria todas as coisas iguais na administração da palavra e dos sacramentos, uma vez que todas as coisas devem ser feitas decentemente e com ordem, e, pela graça especial de Cristo, ministros são ordenados para tal propósito”. Desta forma, a reforma restaurou o leigo com membro do Corpo de Cristo, e portanto tendo ministério na igreja, assim como o pastor ordenado para o ministério da Palavra e ministração dos sacramentos. A pluralidade de ministérios, apenas deveria ser vista como distinção funcional. O leigo reconquista pela reforma:
1) Autoridade para exercer a sua parcela de serviço na igreja em prol da edificação do todo;
2) Ler e examinar as Escrituras sem a tutela de uma classe especial;
3) Pelas mesmas Escrituras, até julgar e corrigir alguém que tenha sido ordenado. De acordo com Lutero, tais ordenados “deveriam ter o seu chamado reconhecido e aprovado pelo povo”.
4.2 – Os Ministérios Eclesiais Leigos de Calvino
Partido do pano de fundo no qual a Igreja Católica vivia a longa tradição milenar que ensinava existir vários ofícios no ministério sacramental, a teologia reformada causou grande impacto quando Lutero propagou o sacerdócio de todos os santos. Porém, foi João Calvino, com a sua doutrina da pluralidade dos ministérios eclesiásticos, que abriu definitivamente as portas para o ministério leigo participativo, diretivo e até disciplinador.
A modificação protestante foi decorrente da revisão na concepção do sagrado. Foi quebrada a dicotomia profano-sagrado, e conseqüentemente clero-povo. A designação “ministérios eclesiásticos” passou também a ser utilizada para “funções temporais tais como a administração do dinheiro e a caridade”. Ora, na teologia romana todas as funções administrativas, interpretativas da Palavra, sacramentais e disciplinares, eram exercida pelo clero e somente pelo clero ordenado.
O teólogo reformado McKee comentando a posição de João Calvino afirmou: “ele (Calvino), negando quaisquer diferenças essenciais entre os cristãos, admitiu que os leigos também são ministros não somente na vida particular, mas também na liderança da comunidade cristã”. Estes ministérios plurais estavam mais relacionados com as funções necessárias da liderança eclesiástica. Os reformadores calvinistas, na verdade, não excluíram totalmente a idéia de “clero” pois os “pastores ordenados” eram os responsáveis pelos sacramentos e pela pregação, e o laicato se ocuparia de todas as outras tarefas religiosas.
O ensino do Calvinismo quanto aos ministérios plurais, apresentava quatro ofícios eclesiásticos: Pastor, Mestre, Presbítero e Diácono. Porém, Calvino é o único a defender que dos quatro, os ofício leigos de presbítero e diácono, são também permanentes. Assim, para os reformadores calvinistas, os ministérios cristãos leigos de disciplina e caridade foram entendidos como ofícios da igreja e baseados na Bíblia. O leigo, com Calvino, voltou a ter participação ativa na ação, decisão e missão da igreja.
Interessante é ainda a aceitação, por parte de Calvino, de mulheres no ofício de diácono. Embora ele não tenha enfatizado muito esta questão, os seus escritos claramente admitem:
“O cuidado a ser dispensado aos pobres foi confiado aos diáconos. Contudo, duas espécies são mencionadas na carta aos Romanos: ‘Aquele que dá, faça-o com simplicidade;… o que exerce misericórdia, com alegria”(Rm 12:8). Visto que é certo que Paulo está falando do ofício público da igreja, aqui tem de haver dois graus distintos. A menos que minha avaliação me engane, na primeira cláusula ele designa os diáconos que distribuem as esmolas. Mas a segunda refere-se àqueles que se dedicam ao cuidado dos pobres e dos enfermos. Nessa categoria estavam as viúvas que Paulo menciona a Timóteo (I Tm 5:3-10). As mulheres não podiam ocupar nenhum ofício público a não ser se dedicarem a cuidar dos pobres”.
4.3 – Calvino: Missionários Ordenados e Leigos
A maioria dos historiadores e missiólogos, não identificam de imediato, um reflexo da doutrina reformada, gerando, no período da reforma, uma ação missionária d
o leigo. As modificações que ela provocou puderam ser sentidas mais explicitamente na soteriologia, e no seio da igreja reformada no que diz respeito ao governo e ministração da disciplina. Contudo, inquestionavelmente, foram os princípios da reforma que forneceram as bases para romper com o clericalismo sacramental católico e ao mesmo tempo abrir as portas para, progressivamente, o leigo voltar a exercer ministérios na igreja e na ação missionária.
Contudo, não é verdade afirmar que a reforma não produziu missões. O missiólogo Scott J. Simmons, faz uma interessante pesquisa sobre a atividade missionária de João Calvino, onde o reformador é visto como o idealizador e formador de vários missionários reformados no continente europeu, sendo Genebra o centro do treinamento. Embora não tenha sido uma intenção primária de Calvino, tornar Genebra um centro missionário, centenas de pessoas foram treinadas no que, na realidade já a partir de 1542, se tornou um centro de refugiados e treinamento missionário reformado. Atenção especial deve ser dado a dois fatos. Primeiro que o trabalho de Calvino e Farel gerou uma obra missionária na França, Holanda, Inglaterra, Escócia, Polônia e Hungria. Com atenção especial, Calvino viu a França como um campo a ser evangelizado e conquistado para a teologia reformada. Em 1553 Calvino começou a mandar missionários para a França com o propósito de plantar igrejas reformadas. Essa iniciativa missionária gerou um grande sucesso, produzindo no final de 1962, o impressionante total de 2.150 igrejas com cerca de três milhões de membros tendo a França na época uma população em torno de 20 milhões. O segundo fato que merece atenção é a expedição colonial francesa ao Brasil de 1555 empreendida por Nicolas Durand, o qual recebeu o título de “siuer de Villegagnon” de seu pai. Para esta expedição Calvino enviou missionários.
Creio que a pesquisa oferecida por Scott Simmons nos convida a uma reflexão mais detalhada face às críticas dirigidas a Calvino por tal empreitada missionária. Porém, para não fugir ao escopo estabelecido para o nosso trabalho, nos limitamos a registrar três aspectos da visão calvinista missionária:
1) O envio de missionário por Calvino foi sua reposta à solicitação do almirante Coligny que, por sua vez havia recebido uma carta de Villegagnon, já no Brasil, solicitando ministros para evangelizar os índios tubinambás.
2) O Historiador missiólogo G.Baez-Camargo, registra que Calvino “viu uma maravilhosa porta aberta para expansão de igreja de Genebra, e assim ele tomou as providências para organizar uma força missionária”. Desse esforço dois pastores e onze leigos se voluntariaram para a missão, em uma clara conseqüência da doutrina do sacerdócio de todos os santos.
3) O trabalho da equipe foi basicamente em Fort Coligny, atual Rio de Janeiro, e o resultado em termos práticos pode ser considerado um fracasso. Mesmo não havendo a conversão de um único índio sequer, o trabalho missionário de um dos leigos, um estudante de teologia chamado Jean de Léry, deixou-nos um bom exemplo do treinamento que recebera. Ele andou pelas vilas indígenas tomando notas dos costumes e crenças religiosas, e vendo boas possibilidades de evangelização. Léry escreveu: “se nós fomos capazes de continuar neste país por muito tempo, nós poderíamos conduzir e ganhar alguns deles (índios) para Cristo”.
Segundo Scott Simmons, “Calvino considerava Genebra um centro missionário para evangelização da França, do resto da Europa e até mesmo do Novo Mundo”, e a isto deve ser acrescentado o fato de que missões para ele, não era uma tarefa apenas de ordenados, mas também de leigos treinados.
4.4 – O Leigo na Reforma Puritana
De fato, a teologia puritana de alguns teólogos na Inglaterra se apresentou contrária a tarefa missionária transcultural. Em 1613, Jonh Gerhard dizia que “a ordem de pregar o evangelho por todo mundo terminou com os apóstolos. No seu tempo, a oferta de salvação fora feita a todas às nações”. Por outro lado, foi a ação puritana na Nova Inglaterra, que conduziu Jonh Eliot em 1632 a uma empreitada missionária entre os índios americanos.
A doutrina do sacerdócio de todos os santos, foi amplamente adotada pelos puritanos que continuaram a valorizar a atuação do ministro leigo na igreja, contudo em se tratando de missões, o missionário era, praticamente, sinônimo de ministro ordenado.
Merece atenção especial a ação missionária do presbiteriano puritano Jonh Eliot. Nela verifica-se que sua estratégia missionária era parecida com a opção pela construção de reduções adotada pelos padres jesuítas. O método de Eliot consistia na criação de cidades cristãs, conhecidas como “cidades de oração” onde os índios convertidos eram ensinados doutrinariamente e aculturados ao “bom modelo inglês”. A grande diferença no modelo de Eliot e dos Jesuítas, era que Eliot sendo reformado, e portanto não clerical, dedicou-se ao treinamento de obreiros autóctones. O historiador Stephen Neill registra que “em 1671 (Eliot) reunira cerca de 3.600 índios cristãos em catorze colônias e começara a formar pregadores índios”. No final de seu ministério, ele conseguiu treinar 24 índios pregadores ordenados e 13 pregadores leigos.
É digno também de registro a questionada ação missionária dos chamados “capelães holandeses”, uma vez que sua clara intenção era a de dar suporte e apoio à comunidade reformada holandesa que a partir do século XVII se aventurou em viagens comerciais e colonizadoras, através da recém criada Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. Herbert Kane, porém, defende a ação holandesa dizendo que “um dos objetivos era o de plantar igrejas de fé reformada em territórios de além mar”. Por outro lado o missiólogo Pierce Beaver questiona se tais capelães “foram missionários autênticos” , pois sendo pastores ordenados estavam diretamente relacionados com o cuidado da comunidade holandesa no estrangeiro.
O que se destaca, é o fato das ações missionárias puritanas terem estado fortemente atreladas ao ministério ordenado, e via de regra, sem a perspectiva de utilização de leigos.

CAPÍTULO 4
MISSÕES MODERNAS: TAREFA DE ORDENADOS DE LEIGOS

É a partir do século XVIII com o surgimento do movimento pietista alemão, que as missões “protestantes” passam a ganhar vulto. O conde Nicolaus Zinzendorf e sua comunidade moraviana em Hernhut, tornam-se um celeiro de missionários. Ao contrário das missões católicas e dos primeiros empreendimentos dos puritanos, os missionários moravianos eram, em sua grande maioria, leigos. Eles eram homens simples e de diversas profissões que se submetiam a um treinamento missionário, para em seguida partirem ao campo. Optavam pelo auto-sustento como forma de manutenção e para estarem mais perto do povo que desejam atingir. Chegavam até a se venderem como escravos para evangelizar escravos.
5.1 – O Mutirão Missionário Leigo de Herrnhut
De grande Impacto foi as missões realizadas pelos moravianos. Nos seus 150 anos de esforços, nada menos do que 2.158 membros de suas igrejas foram para o estrangeiro como missionários. O conde Zinzendorf no início de sua dedicação à obra missionária não era ministro ordenado, ela havia sido discípulo das idéias pietistas de Francke e Spener quando estudava na universidade de Witenberg. O seu ideal de criar o centro “Atalaia do Senhor” – Herrnhut, produziu a comunidade Unitas Fratum, que deixou um rastro de missões sem precedentes na evangelização do mundo após a era do NT.
A ação missionária moraviana, ao passo que intensa e ardorosa, lançou mão abundantemente da disponibilidade de leigos. Era dito que seus missionários saiam diretamente da “bancada do carpinteiro”. Tal fato gerou uma carência de preparação missionária mais adequada. Apenas em 1869, 30 anos após o início das atividades missionárias, é que veio surgir a primeira faculdade de treinamento para eles.
A atuação desses profissionais leigos nas missões não se restringiu a um lugar específico. A disponibilidade de auto-sustento, fizeram com que o evangelho fosse por eles pregado em São Tomás nas Antilhas em 1732; na Groelândia em 1733; aos índios americanos em 1734; No Suriname em 1735; na África do Sul em 1736; aos Samoeidas do Ártico em 1740; na Argélia, Ceilão e Srilanka em 1740; na China em 1742; na Rússia em 1747 e no Labrador em 1752.
De coveiro a lavrador, de sapateiro a oleiro, e até como escravo vendido, a grande maioria de missionários leigos de Herrnhut, marcaram o recomeço de um mutirão missionário a todas às nações.
5.2 – A Ênfase em Ordenados no Século XVIII e XIX
Na Segunda metade do século XVIII, os grandes avivamentos produzidos pelo ministério de Whitfied na igreja da Inglaterra e depois por Jonathas Edward nos Estados Unidos, foram uma base de formação que contribuiu para o que seria chamado de “grande século das missões”. Já no final do século XVIII, em 1792, Carey fundava a sua agência missionária.
O modelo de Hernhut, porém, não seria copiado no grande despertamento de missões que estava para ser iniciado com William Carey. O pêndulo ordenado-leigo estava propenso a enfatizar o ministério ordenado como mais “adequado” e preparado. O próprio Carey, com a sua iniciativa de instituir a Sociedade Batista Missionária, a fez tendo como seus primeiros membros ministros ordenados. Embora o primeiro missionário nomeado pela sociedade de Carey tenha sido um leigo, o médico-evangelista Jonh Thomas, a história registra, com abundância de pormenores, a clara preferências das sociedades missionárias por ministros ordenados, pois deles havia sido exigindo um maior preparo teológico e conseqüente ordenação, e não raro alguma experiência em igreja, o que os tornavam mais “próprios” para serem missionários.
No início do século XIX, as sociedades missionárias começaram a se multiplicar. As missões americanas, face ao maior número de universidades e centros de treinamento, optaram, preferencialmente por ministros ordenados, pelo menos até a segunda década do século XIX quando mulheres solteiras começaram a se envolver com missões. O forte denominacionalismo americano deu ênfase ainda maior a essa preferência por ordenados. A polarização institucional missionária, fez com que nos meados do século XIX, missões chegassem a ser confundida com a expansão da denominação. Tal expansão exigia como passo primeiro, a formação de novas igrejas e a conseqüente necessidade do missionário ser pastor ordenado da denominação que o enviara, o qual doutrinaria os novos e celebraria os sacramentos e implantaria a nova igreja denominacional.
A ação das agências inglesas, porém, optaram por utilizar mais da disponibilidade leiga. Nesse período, a Sociedade Missionária Londrina – LMS experimentou um resultado surpreendente comparado com as demais agências. Ralph Winter abordando esse progresso, alegou que “em parte (o sucesso) é devido a estar livre de supervisão eclesiástica e em parte devido haver um equilíbrio entre o número de pastores e o de leigos que a compõem”. Kane registra; “A LMS enviou para os mares do sul em 1896 trinta missionários, porém destes apenas quatro eram ordenados e o resto eram artesãos”, relata ainda que “…de 1815 a 1891 a Sociedade missionária da Igreja mandou 650 missionários, dos quais apenas 240 eram graduados em universidades (ordenados). Porém, a maioria dos missionários eram leigos, ministros não ordenados”.
Apesar dos fatos não deixarem dúvidas da ênfase missionária em ordenados, não podemos afirmar que o século XIX caracterizou-se por ser marcado apenas pelo trabalho missionário de ordenados. Exemplo disto foi o que ocorreu no movimento metodista. Embora Jonh Wesley preferisse que todos os seus pregadores fossem ordenados, em 1742 através do trabalho de Thomas Maxfield, um pregador leigo, surgiram muitos outros pregadores metodistas leigos, que na linguagem do historiador Williston Walker “logo ocupou muita gente”. Posteriormente, em 1860, surgia a Junta missionária de Mulheres Solteiras, em 1988 o Movimento Voluntário Estudantil, e logo a seguir o Movimento Voluntário Leigo.
5.3 – A Participação das Mulheres e as Missões Femininas
Até o primeira mulher solteira se envolver diretamente com missões, a participação feminina era feita através das esposas de missionários. Olhando o aspecto das responsabilidades familiares, a história é testemunha de que houve mais desvantagens e grandes limitações para o missionário casado, principalmente para as mulheres, em relação a tarefa missionária no campo. Ruth Tucker escrevendo um artigo sobre a Família de Carey, expõe com todas as letras o lar “fora de controle” daquele conhecido missionário. A desvantagem também fica patente ao se verificar o número de esposas e filhos de missionários que morreram nos campos, sendo bem comum o missionário casar-se duas e até três vezes. George Grenfell, missionário na África em 1878, ao sepultar sua esposa disse: “Cometi um grande erro em trazer a minha querida esposa a este clima mortal da África ocidental”. Por outro lado foi a família, especificamente as esposas, dos missionários mortos pelos índios na “Operação Aucas” no Equador, que levou o evangelho àquele povo.
Foi, porém, Betsy Stockton, uma negra ex-escrava que em 1823 foi a primeira missionária solteira enviada para missões estrangeiras. Na verdade ela se candidatou como missionária ao exterior e foi mandada pela Junta Americana apenas como empregada doméstica de um casal de missionários. Só depois de alguns anos é que foi utilizada como professora no Havaí. É ainda a historiadora Ruth Tucker, ao analisar a ação de mulheres solteiras em missões, que afirma o fato das agências missionárias que existiam na primeira metade do século XIX, considerarem as mulheres como “cidadãs de segunda classe”.
A idéia de uma agência feminina surgiu primeiro na Inglaterra e logo se espalhou por toda América do Norte. A primeira sociedade criada foi a Sociedade Missionária União de Mulheres, formada em 1860 que oferecia tanto serviços missionários médicos como estudos da Bíblia. A participação de mulheres solteiras cresceu rapidamente devido ao surgimento de v
árias outras agências femininas. Em 1900 já havia mais de 40 agências, só nos Estados Unidos, e por volta de 1910, o número de mulheres protestantes no campo missionário ultrapassou o número de homens.
Há pelo menos três razões que levaram tantas mulheres para o envolvimento com missões. 1) Havia poucas oportunidades para a envolvimento feminino de tempo integral em ministério nas igrejas; 2) No campo missionário, praticamente não havia “santuários clericais” que restringiam a ação feminina; 3) As missões no exterior permitiam que houvesse uma melhora na classe social das mulheres, através da carreira missionária.
O resultado do trabalho dessas mulheres leigas foi insubstituível, “em algumas áreas do mundo, foi só através do trabalho feminino que o evangelho superou as barreiras culturais e religiosas estabelecidas”. Outros missiólogos como H. A. Tupper, secretário da Junta Batista do Sul para as Missões ao Estrangeiro escreveu: “Acredito que uma mulher solteira na China vale por dois homens casados”. O trabalho e a ação missionária dessas leigas, se tornaram um precioso e indispensável apoio e alavanca para o desenvolvimento da evangelização e ajuda social no mundo. A ação dessas milhares de mulheres são um marco do que o ministério leigo pode produzir nas missões.
5.4 – O Surgimento dos Movimentos Voluntários
O Desenvolvimento do conceito de missões, já a partir do meado do século XIX, começou a refletir a idéia de uma tarefa não apenas de ordenados mas da igreja como um todo. Isto fez surgir vários movimentos de utilização da mão de obra leiga nos empreendimentos missionários. Entre esses movimentos, merece uma abordagem mais detalhada o Movimento Voluntário Estudantil de Jonh Mott e o Movimento Voluntário Leigo que foi liderado por J. Campbell White.
O Movimento Voluntário Estudantil
Na historia das missões modernas, reconhece-se que nenhum outro movimento exerceu mais influências na expansão mundial da igreja do que o movimento missionário leigo dos estudantes. Com o lema “a evangelização do mundo nesta geração”, milhares de estudantes se voluntariaram para a obra missionária.
O movimento teve suas raízes na conhecida “Reunião de oração do monte de feno” no William College em 1806. Desta reunião surgiu a Sociedade dos irmãos no seminário de Andover. Um membro dessa sociedade, Royal Wilder, em 1866, tornou missionário na Índia pela Junta de Promotores de Missões Estrangeiras. Wilder de volta aos Estados Unidos em 1886, fundou a Sociedade Missionária de Princeton. Esta sociedade atraiu estudantes para orar pelos missionários. Estava aí lançada as bases para o surgimento do Movimento Voluntário Estudantil. Foi em uma conferência no ano de 1888 que A.T. Pierson desafiou os estudantes a se envolverem com missões, como resultado, 100 deles se apresentaram como voluntários.
No mesmo ano de 1888, cerca de 167 diferentes escolas foram visitadas por Jonh Forman Robert Wilder, filho de Royal, e como fruto do desafio, 2.106 estudantes ofereceram-se para o trabalho de missões. Escrevendo sobre as proporções do movimento Stephen Neill disse que “Até 1945, em um cálculo bem conservador, 20.500 estudantes de países cristãos, que haviam assinado o cartão de compromisso, chegaram aos campos missionários…”.
Os efeitos desse movimento de leigos foram incalculáveis, as agências de missões e as igrejas, passaram a compreender a importância do trabalho leigo, ao ponto da conferência de Edimburgo em 1910, ter sido idealizada e dirigida por Jonh Mott, o líder do Movimento Voluntário Estudantil.
O Movimento Missionário Leigo
J. Campbell White foi um dos líderes do Movimento Voluntário Estudantil, e que depois em 1906 fundou o Movimento Missionário Leigo. O “grupo de oração monte de feno”, mais uma vez, foi a raiz da formação desse movimento. Com o propósito de comemorar os cem anos daquele grupo de oração, leigos da Igreja Presbiteriana da Quinta Avenida de New York, organizaram uma reunião de oração para o dia 15 de novembro de 1906. Apenas quinze pessoas compareceram ao encontro. Após a reunião decidiram jantar juntos e conversar sobre missões. O resultado foi a decisão de se formar um movimento leigo de apoio às missões.
A idéia do movimento não era a de ser uma agência missionária envolvendo leigos para enviá-los como missionários, mas a de envolver leigos “colaborando com as agências das igrejas na ampliação da sua obra”. Esse movimento atuou debatendo o assunto de missões, investigando as condições de missionários no campo e agregando homens para contribuírem e cooperarem com suas habilidades na obra missionária. Campbell, explicou a importância do movimento, apresentando seis itens de argumentação que podem ser assim resumidos:
1) Missões é o maior desafio espiritual apresentado ao homens.
2) O Movimento faz as maiores exigências possíveis aos homens.
3) O Esforço para a evangelização do mundo apresenta a cada homem a maior oportunidade de servir, que ele pode ter em sua vida.
4) Quando levado a sério, o propósito de vida enfatizado pelo Movimento Missionário Leigo satisfaz as mais profundas ambições espirituais.
5) O Esforço de evangelizar o mundo apresenta os métodos mais rápidos e seguros de salvar a igreja.
6) Como todos as tarefas da igreja cooperam para a realização da evangelização do mundo, a unidade da igreja pode ser restaurada.
O Movimento Leigo foi uma forte associação de homens de várias igrejas que cooperaram com o grande propósito da evangelização através das agências eclesiásticas. Contribuíram, também, grandemente no apoio para implantação de métodos e sistemas de administração missionários, além do envio de recursos financeiros. Esse movimento demonstrou um boa cooperação de trabalho missionário associativo entre ministros leigos e ordenados.

CONCLUSÃO

A história é rica de fatos que demonstram a necessidade de um equilíbrio entre a utilização do ministério ordenado e o ministério leigo nas missões. Muito ainda poderia ser dito a cerca da ação leiga, principalmente com o surgimento das “agencias missionária de fé” que amplamente se utilizaram das habilidades leigas não teológicas para o serviço missionário. Polarizar a importância de ordenados ou de leigos é perder a visão de um Corpo complementar, ou seja Corpo que se completa pelas múltiplas habilidades e diferentes serviços – ministérios, de seus membros. É da história e com a história que através de um equilíbrio gerado pela “tensão criativa” sugerida por David Bosch entre movimento e institucionalização, no nosso caso ministérios leigos e ordenados, que se nos apresenta oportunidades, Impossibilidades e Cooperação de ações missionárias.
A partir da década de 1970, muito se tem escrito sobre a oportunidade de utilização de leigos se envolverem com missões, utilizando seus conhecimentos profissionais. O missiólogo Elias Medeiros escrevendo sobre a ação missionária brasileira, descortina uma grande oportunidade de brasileiros, profissionais leigos, em países muçulmanos e Africanos. Experiência como a de Ruth Siemens no Brasil, que sendo educadora e vivendo “das tendas que fabricava”, desenvolveu um excelente trabalho missionário fundando a Aliança Bíblica Universitária, demonstra as grandes oportunidades que se abrem para leigos. Segunda ela, “as agências missionárias regulares (missionários ordenados) são o exército regular de Deus, mas necessitam de forças guerrilheiras que possam penetrar em países fechados e se infiltrarem em cada estrutura da sociedade”.
Por outro lado seria incoerente não reconhecer a necessidade da ação de missionários teologicamente treinados e ordenados nas missões. Os desafios missiológicos para se implantar igrejas autóctones e doutrinariamente sadias, a necessidade de treinamento e as barreiras transculturais, exigem um preparo que a grande maioria leiga não dispõe. São impossibilidades para uns e possibilidades para outros.
A igreja como o laos – povo de Deus, é por Ele mesmo capacitada com múltiplos ministérios e dons que a equipam para o cumprimento de sua natureza missionária, e quando colocados para trabalharem em conjunto geram o que Guilhermino Cunha chamou de “ministério total da Igreja”. Isto significa exatamente a prática da doutrina do sacerdócio de todos os santos, defendida pelos reformadores. Não existe no laos de Deus qualquer idéia de distinção entre clero e laicato. O que se verifica é a ação do Espírito Santo em todos e através de todos, fazendo-nos membros comprometidos da igreja de Cristo, e dando-nos o privilégio de participarmos da missio Dei. Tal ação divina torna-nos uma “igreja-cruzando-fronteiras-na-forma-de-serva”, que harmoniosamente abre espaço para a cooperação de ministérios de leigos e de ordenados na missão preciosa de difundir o Reino de Deus, fazendo desta tarefa uma ação missionária mais efetiva e produtiva. Solo Deo gloria.

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