Autor: Augustus Nicodemus Gomes Lopes
A questão ecológica, uma preocupação sempre presente na agenda da humanidade, ganhou recentemente mais destaque com a publicação do relatório Stern sobre os efeitos econômicos do aquecimento global dentro de algumas décadas. Mais uma vez somos forçados a encarar as conseqüências da depredação gradual e cada vez mais intensa que temos feitos dos recursos naturais da nossa casa, nosso planeta.
Temos confiança que usando a capacidade dada por Deus a humanidade será capaz de divisar soluções para os graves problemas ecológicos criados. O ponto de que desejo ocupar-me agora é a contribuição do Cristianismo para a formação de uma consciência ecológica, particularmente dentro da Universidade. Permitam-me lembrar o que temos sempre repetido aqui, nas palavras de Abraham Kuyper, estadista e cientista holandês: “A proposta da fé reformada não é criar uma forma de igreja diferente, mas uma forma inteiramente diferente para a vida humana, para suprir a sociedade humana com um método diferente de existência e povoar o mundo do coração humano com ideais e concepções diferentes”.
O que a religião, especificamente o Cristianismo, tem a ver com ecologia, meio-ambiente? Vou destacar apenas duas coisas:
1) O Cristianismo reformado tem sido apontado como o responsável pela crise ecológica do nosso planeta. Lynn White Jr., escreveu um artigo em 1967, “As raízes históricas da nossa crise ecológica”, onde coloca a responsabilidade da exaustão dos recursos naturais nas portas do Cristianismo evangélico e reformado. Segundo ele, foi a visão de mundo propalada pelo Cristianismo pós Iluminista na Europa que liberou o homem dos últimos escrúpulos com relação ao meio-ambiente. Segundo Lynn, a crença de que o mundo foi criado por Deus para o homem, e que o homem é a coroa da criação, acabou por fornecer a ideologia necessária para o surgimento da tecnologia e com ela, a exploração indiscriminada e irracional da natureza. A isso respondemos que o mesmo Cristianismo ensina que o homem é responsável diante de Deus pelo uso racional e correto do mundo e da criação, pois é o mordomo de Deus dos bens criados por ele. Mas numa coisa Lynn está correto: ele viu claramente a relação entre ecologia e religião. Mais recentemente, mais e mais vozes, mesmo sem ser religiosas, se levantam para dizer que sem religião não poderá haver uma mudança de mentalidade nas pessoas em relação à natureza.
2) Acredito que a fé cristã-reformada, como cosmovisão, provê os fundamentos epistemológicos, morais, espirituais e éticos para que possamos lutar pelo meio ambiente e em prol do nosso planeta, fazendo ecologia de forma coerente e integral:
a) Primeiro, o fundamento da existência real do mundo. Ele existe – não é uma projeção de nossa mente. “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1). Assim começa a Bíblia, com essa declaração fundamental para a perspectiva cristã. O princípio básico da religião cristã é que há um Deus que existe por si mesmo, desde a eternidade, e que criou o mundo de maneira objetiva e concreta. A natureza, o mundo que nos cerca, é real. O mundo existe objetivamente, fora de nós. Não é uma extensão de nossa imaginação.
b) O segundo fundamento é que o mundo foi criado bom. “E Deus viu que era bom” é o veredito do Criador sobre a natureza. A Criação foi declarada boa não somente porque foi criada perfeita, mas porque era boa para o homem que foi feito para nela habitar. Isso difere da visão do dualismo oriental entre matéria e espírito, que equiparava a matéria à desordem. Nessa visão pagã, a matéria é má, é pecaminosa. Nem religiões dualistas e nem formas de Cristianismo que separam natureza e graça podem nos dar alguma esperança com relação a achar soluções para nossos problemas ambientais.
c) Um terceiro fundamento importante é que o mundo funciona de acordo com leis e princípios estabelecidos por Deus. A convicção fundamental da ciência é que o mundo funciona de acordo com leis e princípios regulares e constantes e, portanto, previsíveis. No mundo as coisas ocorrem de maneira confiável e regular. Essa base é dádiva da visão cristã de que o mundo foi criado por um único Deus, um Deus de ordem, de forma ordenada, coerente e unificada, e não por vários deuses ambíguos, contraditórios, incoerentes e caprichosos, a partir da matéria caótica, como acreditavam algumas religiões orientais. Foram cientistas com essas convicções acima, no todo ou em parte, que lançaram as bases da moderna ciência e da tecnologia, como os astrônomos Kepler e Galileu, os químicos Paracelso e Van Helmont, os físicos Newton e Boyle e os biólogos Ray, Lineu e Cuvier, para citar alguns. Somente dessa forma podemos entender o funcionamento do meio-ambiente, do mundo e seus recursos, perceber os desastres que estamos causando por violarmos essas leis e prever soluções.
d) Um outro princípio igualmente importante é que o homem é distinto da natureza. De acordo com o Cristianismo evangélico, o homem foi criado por Deus e distinto da natureza, pois foi feito à imagem e semelhança de Deus. O homem foi dotado de inteligência, ao ser criado à imagem e semelhança de Deus e, portanto, pode interpretar as leis do mundo e prover os meios de preservá-lo. No panteísmo, o homem, a natureza e Deus fazem parte da mesma realidade, o que torna impossível ao homem transcender a natureza para poder analisá-la, dominá-la e ajudá-la. Deus colocou o homem no mundo como mordomo, gerente, da criação como um todo, e lhe deu alguns mandatos: cuidar da criação, de onde tiraria seu sustento, protegê-la e preservá-la, conhecê-la, estudá-la, para assim conhecer melhor a si mesmo e a Deus. O homem é o mordomo de Deus. Não é o soberano senhor, dono e déspota, mas responsável diante de Deus pelo emprego correto dos recursos naturais e pela preservação das demais espécies.
e) E por fim, vivemos num mundo afetado pelo pecado. De acordo com a Bíblia, quando o homem colocado no jardim se revoltou contra ele, Deus amaldiçoou a terra: “Maldita é a terra por tua causa”. E condenou o homem à morrer, a retornar ao pó de onde fora tirado. Um grande abismo se estabeleceu entre Deus e o homem, entre o homem e seus semelhantes, e entre o homem e a natureza. A crise que vivemos hoje se deve a estes abismos.
Separado de Deus, o homem perdeu a referência da sua existência e se tornou confuso, perdido, vazio, sem respostas.
Separado dos seus semelhantes, dedica-se a buscar seus próprios interesses, mesmo que à custa do próximo: daí surge a criminalidade, a opressão do próximo, a violência de todos os tipos.
Separado da natureza, o homem a explora, esgota, exaure, destrói, em nome de sua sobrevivência, em nome do poder, da supremacia da raça humana sobre as outras espécies.
Por esse motivo, a perspectiva cristã-reformada vê os problemas ambientais como sendo fundamentalmente de origem histórica moral e espiritual. E vê que a solução passa pela transformação interior das pessoas, uma mudança de mentalidade com relação a Deus, ao próximo e à natureza. Em suma, é esse o apelo e o chamado do Evangelho.
Em conclusão, cremos existir uma relação indissolúvel, de natureza histórica e lógica, entre religião e ecologia. Quero sugerir hoje que o Cristianismo, enquanto fiel às suas raízes bíblicas, tem condições de oferecer uma visão de mundo que permite enfrentarmos de forma coerente e lógica as questões ecológicas de hoje.
==Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie
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