Pedras que edificam a Igreja que não perdeu o Reino

“À medida que se aproximam dele, a pedra viva – rejeitada pelos homens, mas escolhida por Deus e preciosa para ele – vocês também estão sendo utilizados como pedras vivas na edificação de uma casa espiritual para ser sacerdócio santo, oferecendo sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo”
(1Pe 2.4-5).

São quatro e meia da manhã e seu Argeu já está de pé para mais um dia longo pela frente. Vai até a padaria, compra os primeiros (e mais quentes) pães do dia, volta pra casa, toma seu café e segue a jornada diária, de passar no lar dos idosos que ajuda a manter há quase 15 anos em Vitória/ES, e depois na creche onde também ajuda c coordenar, que atende pelo menos 100 crianças, todos os dias, nos dois turnos. Apesar de aposentado (após muitos anos de trabalho como operador de máquinas na Cia. Vale do Rio Doce), ele descobriu uma vocação que o move desde a conversão a Jesus: receber, ajudar e enviar de volta outras pessoas. Hospitalidade, para ele, virou mais que um dom (embora o seja) ou um dever cristão: é estilo de vida.

Assim, com os recursos que adquiriu ao longo da vida dura como trabalhador e com a aposentadoria – tendo seus filhos já formados, casados e bem encaminhados – seu Argeu foi aumentando a casa onde vive há muitos anos e ali acomoda as “visitas”, incluindo amigos, irmãos da igreja, familiares que vêm e vão o ano todo para as mais diferentes ocasiões e pelos mais variados motivos. Além disso, ele hospeda pessoas (conhecidas ou não) que vêm de cidades circunvizinhas para se consultar no hospital da cidade, e faz todos os traslados com sua Paraty (da rodoviária, para casa, para o hospital, para casa e para a rodoviária de novo), com a praticidade de um especialista.

Nos dias em que fui recebido como hóspede na casa de seu Argeu, tive a oportunidade de ver e provar muitas coisas. Passeei (e corri) pela bonita cidade de Vitória e sua região de belas praias e lindas serras; ajudei a celebrar o casamento de meu amigo Evandro com Kênia (a filha caçula de seu Argeu); conheci gente diferente e também uma cultura diferente da minha – embora todos sejamos brasileiros, cada vez que se viaja pelo Brasil, se percebe que temos muitos “Brasis” dentro do Brasil (como diria Carlinhos Veiga). Mas, sobretudo, também tive tempo para parar e contemplar. E via o seu Argeu, indo de um lado pro outro e tendo tempo de servir, conversar, atender pessoas e ainda ser pai, marido, sogro, avô, irmão e anfitrião no meio daquele agito todo. Quando eu acordava, ele já tava no batente há um bom tempo. E pensava comigo: “Esse homem não pára, Meu Deus! Será que tem idade e saúde pra essa vida? Como será que ele consegue?”.

Mas, para além da impressão vaga e superficial de um senhor aposentado e bastante ativo, vi também um homem sensível, sincero, de olhar atento, bastante objetivo e direto no falar, preocupado em saber se tudo está indo bem, nos “conformes”, se seus convidados estão sendo bem tratados e, mais importante, se estão se sentindo “em casa”. E o mais engraçado é que, nem de seu Argeu, nem de dona Célia (sua esposa e parceira de caminhada, batalhadora, também muito amorosa e hospitaleira) não precisei ouvir nada, nem sequer um “sinta-se em casa”, para efetivamente assim me sentir. A atitude deles falou mais alto, e eles foram fazendo com que me sentisse em casa e, logo, era como se, realmente, eu estivesse em casa. E não estava?

Seu Argeu é, consciente ou não, um dos milhares de agentes anônimos da Missão Integral espalhados por esse país. E a gente que se envolve tanto com o “falar”, com a erudição e o ensino, acaba percebendo que exemplos como o dele são lições vivas do amor de Deus ao mundo; teologias ambulantes que se fazem no caminho, ao andar e viver com Deus e com o próximo. E percebo que, de fato, não é preciso tanto saber quanto é preciso viver o que se sabe, sem ostentar, sem “botar banca”, nem anunciar em outdoor. E que a revolução do reino já acontece a despeito dos intelectuais (burgueses de pança cheia) que pensam, planejam e orquestram supostas “revoluções”.

A fé que se pensa não é uma entidade abstrata, mas é a fé prática, que só pode ser pensada e repensada na medida em que é vivida. Logo, antes mesmo que minha mente elabore, que meu discurso anuncie, a fé já estava ali, “movendo montanhas”, promovendo a justiça do reino, gerando esperança, aplicando o amor. E o que mais me encanta (e me inspira na vida de crente) é saber que por aí há tantos outros como seu Argeu, pedras vivas que edificam a Igreja que não perdeu de vista o Reino, professores do agir, que ensinam sem saber, que abraçam sem perguntar e que amam sem fazer alarde.

Jonathan Menezes
Faculdade Teológica Sul Americana – Londrina
www.ftsa.edu.br